DIEGO GARCIA
DO ESPN
A Justiça do Rio de Janeiro absolveu todos os réus envolvidos no processo que investigou a morte de 10 garotos da base do Flamengo no Ninho do Urubu, ocorrido em fevereiro de 2019.
A sentença, do juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal, julgou a quantidade de provas "insuficiente" e ainda com "dúvidas incontornáveis quanto à origem da ignição e da ausência de prova inconteste de qualquer conduta culposa individualizável".
Para a Justiça, as deficiências estruturais da rede elétrica se mostram causas suficientes para explicar a ignição e a propagação do incêndio, afastando fatores individuais como determinantes para a tragédia.
O juiz entendeu que a denúncia do Ministério Público foi generica e que os laudos criados foram feitos com hipóteses técnicas não comprovadas, desprovidas de controle empírico e incapaz de afastar causas alternativas plausíveis.
Todas as vítimas eram adolescentes entre 14 e 16 anos. Três outras pessoas ficaram feridas e 11 pessoas respondiam pelos crimes. Sete pessoas foram absolvidas agora, enquanto outras quatro haviam se livrado de qualquer condenação anteriormente.
Na época da fatalidade, o fogo atingiu o local onde fica alojamento de jogadores das categorias de base do clube. De acordo com a perícia feita pela Polícia Civil, o incêndio foi causado por conta de um defeito no ar-condicionado e do material inflamável das paredes dos contêineres, local onde as crianças ficavam alojadas.
O Flamengo já havia anunciado acordos com todos os parentes das vítimas do incêndio. No total, 26 pessoas foram contempladas. A última foi a família do goleiro Christian Esmério, em fevereiro deste ano.
Procurado, o time rubro-negro informou que não vai se pronunciar sobre a decisão da Justiça.
Associação de Familiares protesta
Em nota emitida nesta quarta-feira (22), a Afavinu (Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu) protestou contra a decisão da Justiça do Rio de Janeiro.
No comunicado, a entidade classificou a decisão judicial como uma "grave afronta à memória das vítimas e ao sentimento de toda a sociedade".
A Afavinu também disse que "seguirá em busca de Justiça" e "na esperança de que a decisão seja revista",
"(A Afavinu) Reitera seu pedido de que o processo seja acompanhado com rigor pelos órgãos de recurso para que a sociedade receba a mensagem de que tais condutas não ficarão impunes", escreveu a associação.
Leia a nota completa:
A Afavinu (Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu), que congrega mães, pais, irmãos e demais familiares das dez vítimas fatais da tragédia ocorrida em 8 de fevereiro de 2019 no alojamento da base do Flamengo, manifesta seu profundo e irrevogável protesto diante da decisão proferida pela 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que absolveu em primeira instância todos os sete acusados no processo criminal resultante dessa tragédia.
Entendemos que o papel da Justiça não se limita à aplicação da lei em casos individuais, mas exerce uma função pedagógica essencial na prevenção de novos episódios semelhantes, no envio de mensagem clara à sociedade de que negligências de segurança, falhas na estrutura técnica e irresponsabilidades não serão toleradas - e não cumprir essa função configura, para nós, grave afronta à memória das vítimas e ao sentimento de toda a sociedade.
Relembremos que os jovens falecidos - adolescentes em formação, atletas da base - dormiam em contêineres improvisados, sem alvará adequado, com indícios de falha elétrica, grades de janelas que dificultavam a saída, entre outras condições de insegurança.
A absolvição dos acusados, sob o argumento de que não se conseguiu individualizar condutas técnicas ou provar nexo causal penalmente relevante, renova em nós o sentimento de impunidade e fragiliza o mecanismo de proteção à vida e à segurança dos menores em entidades esportivas, formativas ou assistenciais no país.
A Afavinu seguirá em busca de Justiça e na esperança de que a decisão seja revista e assim reitera seu pedido de que o processo seja acompanhado com rigor pelos órgãos de recurso para que a sociedade receba a mensagem de que tais condutas não ficarão impunes.
Para que a morte destes adolescentes não seja em vão, seguiremos exigindo dos órgãos de fiscalização (municipal e estadual) e do poder público em geral - inclusive esporte, juventude e fiscalização de edificações - a implementação de medidas concretas para tornar obrigatórias auditorias frequentes e manutenção preventiva em alojamentos de atletas, jovens/menores em todos os clubes do País, de modo que tragédias irreparáveis, como a do Ninho do Urubu, não se repitam.
Reafirmamos que a memória dos jovens não será silenciada: os nomes deles, suas vidas interrompidas em circunstâncias evitáveis, exigem que continuemos vigilantes.
A decisão judicial, ao não reconhecer a responsabilização penal, representa uma falha grave do sistema de justiça em seu papel pedagógico - e como tal, reforça em nós o dever de mobilização civil para fortalecer os mecanismos de fiscalização, transparência e responsabilidade em espaços de formação de jovens.
Conclamamos a imprensa, entidades de defesa dos direitos humanos, movimentos esportivos e toda a sociedade a não permitir que essa decisão se transforme em precedente de que a segurança de crianças e adolescentes pode ser tratada com negligência criminosa. A vida dos nossos filhos tem um valor irreparável e em memória aos 10 garotos inocentes lutaremos, até o fim, por uma Justiça efetiva e capaz de inibir novos delitos com sentenças que protegem as vítimas e não os algozes.
Aos torcedores do Flamengo e a todos que amam o futebol e as crianças, a Afavinu faz um apelo: que a paixão pelos clubes se traduza também em compromisso com a vida. Que o amor pelo esporte, que move milhões de corações, seja também amor pela segurança, pela ética e pela memória daqueles dez meninos que sonhavam em vestir, com orgulho, a camisa rubro-negra ou de outros mantos sagrados. O verdadeiro espírito esportivo exige empatia, responsabilidade e humanidade. Honrar esses valores é proteger as futuras gerações de atletas e garantir que o futebol continue sendo motivo de alegria - nunca de luto.