VILMONDES TOMAIN
Muito se tem debatido sobre a recente decisão liminar que suspendeu a chamada “Moratória da Soja”, em vigor desde 2006, onde alguns artigos publicados buscam pintar um cenário de risco duplo, sugerindo que a suspensão prejudicaria a preservação ambiental e o avanço econômico do país. Com todo respeito, essa narrativa ignora fatos fundamentais e perpetua uma lógica de submissão a acordos privados que vão além da lei brasileira.
Chamar a moratória da soja de “maior certificação ambiental do país” é uma afirmação incoerente e desconectada do ordenamento jurídico brasileiro. A moratória não é uma certificação formal, tampouco um instrumento previsto em lei; trata-se de um acordo privado firmado entre empresas e ONGs, sem respaldo normativo e sem participação do setor produtivo. O Brasil já possui um sistema robusto e oficial de governança ambiental, ancorado no Código Florestal, no Cadastro Ambiental Rural e no monitoramento por satélite, que exige dos produtores percentuais de preservação únicos no mundo e cujos dados são auditáveis e vinculados ao poder público.
Assim, reduzir toda essa estrutura legal e institucional a um acordo voluntário do setor privado, e chamá-lo de certificação, distorce a realidade e enfraquece o papel do Estado como garantidor da legalidade ambiental, além de passar ao mercado internacional a ideia equivocada de que a sustentabilidade do agro brasileiro depende de regras paralelas, e não do cumprimento rigoroso da lei.
Destaco ainda que após a criação da moratória a produção de soja no bioma amazônico cresceu e alguns dizem que quase a totalidade dos novos desmatamentos não teria relação com a sojicultura, mas esse argumento expõe justamente a incoerência do referido mecanismo. Um dos principais motivos alegados para a criação da moratória em 2006 era conter o avanço do desmatamento na Amazônia, contudo mesmo após quase duas décadas de vigência do acordo, o desmatamento continua ocorrendo, o que demonstra que a moratória não é a solução para o problema. É preciso reconhecer que, na Amazônia Legal, a legislação brasileira já prevê que até 20% da área de cada propriedade pode ser legalmente desmatada, e que a distinção fundamental deve ser feita entre desmatamento legal e desmatamento ilegal. Portanto, o verdadeiro foco das políticas públicas deve ser o combate firme ao desmatamento ilegal e à grilagem de terras, com fiscalização estatal efetiva, e não a imposição de restrições privadas paralelas à lei que penalizam indistintamente os produtores que cumprem rigorosamente o Código Florestal.
A moratória foi criada em 2006, antes da consolidação do Código Florestal de 2012 e da implementação de mecanismos modernos de fiscalização. Hoje, a legislação brasileira estabelece limites rígidos de preservação, especialmente na Amazônia Legal, onde produtores são obrigados a manter áreas nativas preservadas em percentuais únicos no mundo. Nenhum outro grande produtor agrícola possui exigências semelhantes. Vincular a produção brasileira a um acordo privado, paralelo à lei, é criar dupla penalização ao produtor. Se ele cumpre o Código Florestal, já está legal. Impor exigências adicionais sem amparo legal retira a segurança jurídica dos que investem e produzem dentro das regras nacionais.
Outro equívoco dos que defendem a moratória é atribuir ao agronegócio legal desmatamentos que ocorrem em áreas públicas ou não produtivas. Diversos estudos mostram que a maior parte do desmatamento na Amazônia ocorre fora das propriedades agrícolas legalmente estabelecidas, estando relacionado a ocupações irregulares e atividades ilícitas. Ao continuar vinculando a imagem do produtor regular a esses dados distorcidos, perde-se a oportunidade de apresentar ao mundo o verdadeiro compromisso do agro brasileiro com a sustentabilidade. É justamente essa distorção que fragiliza nossa defesa internacional, e não a suspensão da moratória.
Nenhum país desenvolvido aceita que suas políticas agrícolas sejam subordinadas a regras impostas por empresas ou ONGs estrangeiras. A defesa da soberania e da legalidade nacional não significa abrir mão da sustentabilidade, mas sim respeitar o que já está previsto em lei. O mercado internacional precisa entender que o Brasil tem governo, instituições e leis próprias, e que o cumprimento do Código Florestal deve ser o parâmetro. A perpetuação da moratória, fora do marco legal, enfraquece a competitividade do país, dá margem para barreiras comerciais e trata o produtor como suspeito mesmo quando está totalmente regular.
Defender a suspensão da moratória não é defender o desmatamento ilegal, muito pelo contrário, é afirmar que o combate ao desmatamento deve ocorrer com base na lei, por meio de fiscalização efetiva do Estado, e não por meio de acordos privados que punem indistintamente todos os produtores. A solução para proteger nossas florestas e fortalecer nossa economia está em cumprir e fazer cumprir o Código Florestal, garantir segurança jurídica e promover a rastreabilidade baseada em dados oficiais. Não precisamos de duplicidade regulatória, mas de respeito às normas do país e aos produtores que produzem com respeito as nossas leis.
O Brasil tem a oportunidade de mostrar ao mundo que é possível ser líder em produção agrícola e preservação ambiental, desde que haja respeito às leis nacionais, segurança jurídica e narrativa coerente com a realidade dos fatos. Suspender a moratória da soja não é retrocesso, é resgate da legalidade e fortalecimento do produtor que cumpre a lei e sustenta a economia do país. A defesa internacional do Brasil não se faz com autossabotagem, mas com orgulho do que já fazemos: somos campeões mundiais em preservação ambiental e produção sustentável.
Vilmondes Tomain
Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato)