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Cuiabá, 22 de Agosto de 2025
22 de Agosto de 2025

22 de Agosto de 2025, 14h:56 - A | A

OPINIÃO / PATRÍCIA PUNDER

Do lucro rápido à recessão: Os impactos econômicos da corrupção

PATRÍCIA PUNDER



A corrupção é historicamente um dos maiores entraves ao desenvolvimento econômico e institucional do Brasil. Apesar de condenada social e juridicamente, continua sendo praticada, porque no curto prazo, dá lucro. Empresas envolvidas em esquemas ilícitos frequentemente conseguem acelerar processos, conquistar contratos milionários e eliminar concorrentes. O problema é que esses ganhos imediatos são ilusórios, cedo ou tarde, os custos jurídicos, financeiros e reputacionais superam qualquer vantagem inicial.

O estudo “A corrupção e seus efeitos econômicos – modelo de Equilíbrio Geral Computável para o Brasil”, realizado este ano pela PUC-RS, revelou que a corrupção pode causar recessão de cerca de 1% do PIB no curto prazo e 0,5% no longo prazo, além de reduzir o emprego de forma imediata e o salário real médio ao longo do tempo. Estes dados mostram claramente que os benefícios imediatos da corrupção são ilusórios e custam caro ao país.

O que sustenta esse cenário é a pressão incessante por resultados imediatos. Executivos de grandes companhias são cobrados a apresentar números robustos a cada trimestre, sob pena de perderem bônus milionários, remuneração diferenciada e em muitos casos, até a permanência no cargo. Nesse ambiente, a corrupção se torna uma tentação poderosa, pagar para destravar licenças, eliminar concorrentes ou reduzir tributos, parece um caminho rápido para cumprir metas e satisfazer investidores.

A armadilha se agrava, porque muitas vezes, os próprios stakeholders, praticam a chamada “cegueira deliberada”, sabem que há algo errado, mas preferem não enxergar enquanto os resultados financeiros crescem. O problema é que quando a verdade vem à tona, nenhum desses atores escapa do impacto reputacional e financeiro que recai sobre a organização.

Em muitas empresas, é comum que executivos ganhem grande destaque no mercado, apareçam em publicações especializadas, participem de rankings de liderança e recebam prêmios de “Executivo do ano”. Da mesma forma, empresas podem ser reconhecidas com selos de “éticas”, “empresas cidadãs” ou de “Melhor Lugar para Trabalhar (Great Place to Work)”. Históricos mostram que em algumas situações, posteriormente foram identificadas práticas questionáveis, evidenciando que mesmo entre organizações e líderes amplamente reconhecidos, sempre existe a necessidade de atenção constante à integridade e à transparência.

Surge então um dilema crucial: quem inicia o ciclo da corrupção? São as empresas que oferecem vantagens indevidas para conquistar espaço ou são os agentes públicos que em posição de poder, exigem propina para liberar licenças e fiscalizações? A realidade mostra que ambos os lados alimentam o problema.

Muitos empresários alegam serem coagidos a pagar para simplesmente manter suas operações ativas, sob risco de represálias e paralisações. Em contrapartida, há empresas que se antecipam e oferecem benefícios ilegais como estratégia de crescimento agressivo. Esse dilema revela um problema estrutural que corrói a confiança entre Estado e iniciativa privada, criando um ambiente de negócios hostil, instável e distorcido.

O Brasil já testemunhou inúmeros exemplos. Construtoras que dominaram o mercado de obras públicas durante anos e cresceram exponencialmente graças a práticas ilícitas, mas acabaram ruindo quando os escândalos vieram à tona. Empresas de transporte urbano, acusadas de cartel e pagamento de propina a gestores públicos, tiveram contratos rescindidos e viram seu patrimônio evaporar.

Mais recentemente, o caso da Ultrafarma, sob atenção da Operação Ícaro, mostrou como esse círculo vicioso persiste. Neste mês, o empresário Sidney Oliveira, dono da rede, foi preso preventivamente juntamente com Mario Otávio Gomes, executivo da Fast Shop, acusados de protagonizarem um esquema bilionário de fraudes em créditos de ICMS com a colaboração de auditores fiscais de São Paulo. O auditor Artur Gomes da Silva Neto, apontado como operador-chave, também teve prisão decretada, enquanto outros auditores, como Marcelo de Almeida Gouveia e Tatiane de Conceição Lopes (esta última em prisão domiciliar), continuam sob investigação.

Além disso, o Ministério Público de São Paulo já identificou outras empresas potencialmente envolvidas no mesmo esquema, como Oxxo, Rede 28 Postos de Combustíveis e Allmix Distribuidora, entre pelo menos mais quatro companhias ainda não reveladas. Esse caso evidencia que no jogo corporativo, nem sempre as empresas são as únicas a iniciar o ciclo corrupto, mas certamente muitas se beneficiam enquanto o sistema opera.

Esses episódios reforçam um ponto crucial, embora a corrupção possa oferecer ganhos imediatos, seu custo final é devastador. Multas milionárias, bloqueio de ativos, perda de licenças e principalmente, destruição da reputação tornam inviável qualquer estratégia de negócios baseada em práticas ilícitas.

Outro fator que alimenta esse ciclo é o medo do accountability. Muitos executivos e empresas resistem a mecanismos de transparência porque sabem que prestar contas pode expor fragilidades, más decisões ou práticas ilegais. Preferem manter a opacidade, acreditando que o silêncio protege, quando na verdade a falta de transparência é combustível para crises ainda maiores.

É nesse contexto que o Programa de Compliance ganha centralidade. E aqui é fundamental ser direto: compliance não é acessório, não é um departamento isolado ou um manual de boas intenções. Compliance é o próprio negócio. Sem integridade, nenhuma estratégia empresarial se sustenta. Negócio e compliance são indissociáveis, se não caminham juntos, tudo de ruim pode acontecer, de crises financeiras e investigações criminais à ruína reputacional.

Um Programa de Compliance eficaz estabelece controles internos robustos, cria canais de denúncia confiáveis, promove due diligence de parceiros, capacita continuamente seus colaboradores e sobretudo, difunde uma cultura de ética como valor inegociável. Nesse modelo, a empresa não apenas previne riscos, mas também pode transformar a integridade em ativo estratégico de negócios, capaz de atrair investimentos, fidelizar clientes e gerar valor sustentável no longo prazo.

No mundo corporativo moderno, onde reputação é capital, e transparência é exigência, insistir na corrupção é escolher o caminho mais curto para o fracasso. A verdadeira vantagem competitiva não está nos atalhos ilícitos, mas na capacidade de unir estratégia de negócios e integridade, transformando o compliance em sinônimo de sustentabilidade, prosperidade e perenidade.

Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.

Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br

 

Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados

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