MARCO AURÉLIO
Muito se fala sobre o tarifaço norte-americano e seus impactos no comércio global. Sim, ele pesa — mas reduzir a crise do agronegócio brasileiro a essa narrativa é simplificar demais um problema que é bem mais profundo.
O que realmente está em jogo é um sistema de crédito que operou por anos sem critérios sólidos, concedendo financiamentos sem a devida avaliação da capacidade de pagamento dos produtores. Agora, com a alta dos custos e a retração dos mercados, os bancos apontam o dedo para o campo, como se a inadimplência fosse um fenômeno isolado ou culpa exclusiva do produtor.
Ora, se os bancos assumiram riscos sem lastro, a responsabilidade não pode ser jogada apenas no colo de quem planta e colhe. O colapso atual não é surpresa — é consequência de escolhas mal calculadas de instituições financeiras que preferiram expandir crédito fácil em vez de preservar a sustentabilidade do setor.
As tarifas impostas por Trump e seus ecos no comércio internacional funcionam, nesse cenário, como gatilho adicional. Mas são apenas coadjuvantes de uma trama que já vinha sendo escrita. O problema central é doméstico: um modelo de financiamento que, em vez de fortalecer o agronegócio, expôs o produtor a um jogo desigual, em que o risco é socializado e o prejuízo privatizado.
É preciso ter coragem para reconhecer que a crise não se resume a pressões externas. O campo brasileiro precisa, acima de tudo, de um sistema de crédito responsável, previsível e capaz de garantir que quem alimenta o país não seja transformado em vilão por uma lógica bancária míope.
*Marco Aurélio Mestre Medeiros é advogado, especialista em recuperação judicial de empresas do agronegócio, sócio-fundador do Mestre Medeiros Advogados Associados, com atuação nacional, e secretário-geral da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial do Conselho Federal da OAB