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Cuiabá, 03 de Outubro de 2025
03 de Outubro de 2025

03 de Outubro de 2025, 16h:13 - A | A

OPINIÃO / LUIZ HENRIQUE LIMA

O mito dos “pagadores de impostos” e seus malefícios

LUIZ HENRIQUE LIMA



Atribui-se a Goebbels, prócere do odioso regime nazista, a frase: “Sempre que ouço falar em cultura, saco o meu revólver”. Quanto a mim, sempre que ouço falar em “pagadores de impostos”, saco a minha Constituição.

Entre as muitas falácias que contaminam o debate público brasileiro, poucas são tão perniciosas quanto o mito dos “pagadores de impostos”. Segundo essa narrativa, amplamente difundida por expoentes do pensamento neoliberal e por autores que reverenciam o legado de Margaret Thatcher, as decisões de políticas públicas deveriam priorizar aqueles que “sustentam o Estado”, a quem denominam “pagadores de impostos”, que identificam como grandes empresários, profissionais liberais e integrantes da classe média alta. Embora sedutora em sua aparente lógica contábil, essa é uma ideia profundamente equivocada e socialmente danosa.

O primeiro equívoco é ético e moral. O Estado não é uma empresa, e a cidadania não se mede pela contribuição fiscal. O princípio da solidariedade, consagrado na Constituição, estabelece que os direitos fundamentais — como saúde, educação, segurança e proteção ambiental — são universais. Bebês não pagam impostos, mas devem ser protegidos. Florestas e aquíferos não recolhem tributos, mas são bens essenciais à vida e ao desenvolvimento e soberania nacional]is. A lógica do “quem paga, decide” é incompatível com qualquer projeto republicano e democrático.

O segundo equívoco é factual. A estrutura tributária brasileira é notoriamente regressiva. Quem mais é tributado, proporcionalmente à renda, são os segmentos mais pobres. A tributação sobre bens e consumo — que incide sobre alimentos, remédios e serviços básicos — penaliza as famílias de baixa renda. Já os mais ricos se beneficiam de isenções sobre lucros e dividendos, planejamento tributário agressivo e uma miríade de benefícios fiscais. Assim, o supostamente sacrificado “pagador de impostos” exaltado pelo discurso neoliberal é, na verdade, proporcionalmente muito menos onerado que o trabalhador informal ou o consumidor comum.

Contudo, ainda que houvesse uma classe de “pagadores de impostos”, essa condição não lhes confere privilégios de cidadãos de primeira classe em detrimento dos “parasitas” e “gastadores de recursos públicos” - pecha que, além dos despossuídos, atinge os sempre vilipendiados servidores do Estado, como militares, professores, magistrados, policiais, médicos, auditores, entre outros. Afinal, o voto censitário, imposto pelo tacanho golpe de Pedro I, foi – tardiamente – sepultado em 1891 pela primeira Constituição republicana.

Esse mito nefasto não apenas distorce a análise econômica e favorece um discurso eleitoreiro de viés anarco-empresarial. Seu principal malefício é influenciar negativamente a formulação e o financiamento de políticas públicas. Ao privilegiar a ideia de que o Estado deve dar “retribuição” aos que, no seu conceito enviesado, mais contribuem, cria-se uma lógica perversa de exclusão. Investimentos em periferias, comunidades indígenas, populações ribeirinhas ou pessoas com deficiência passam a ser rotulados como “gastos injustificados ou de baixo retorno”. O egoísmo fiscal — “eu pago, eu devo receber” — subverte o conteúdo das políticas sociais e culmina em fragilizar a coesão nacional.

É preciso desconstruir esse mito com firmeza e urgência. O Estado existe para promover o bem comum e garantir direitos universais, não para premiar contribuintes. A cidadania não é uma transação comercial. A sociedade humana não se reduz a uma sociedade anônima, em que o poder decisório é exclusivo dos detentores de cotas ou ações. Como proclama a nossa Constituição Cidadã, constituem objetivos fundamentais do Estado brasileiro: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado.

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