GAUDÊNCIO TORQUATO
A temperatura ambiental está muito alta. Não apenas os graus centígrados do tempo estão elevados em decorrência do tórrido verão dos nossos trópicos, mas o clima na política também é efervescente.
O motivo parece claro: as faíscas da mais virulenta campanha eleitoral continuam a saltar de fogueiras que teimam em queimar lenha nos vastos espaços do território.
O Sudeste, por exemplo, que agrega o maior contingente eleitoral do país, exibe um caldeirão fervendo, com exércitos estocando munição em seus arsenais, enquanto ensaiam um tiroteio de agressões nas redes sociais. Gilberto Carvalho, ministro e ex-seminarista, chama o senador Aécio Neves de “playboyzinho” e, não conformado com a falta de compostura, arremete com a observação de que seu grupo é acusado de “todo tipo de bolivarianismo, de chavismo, de mais um monte de m....”.
E recebe do presidente do PSDB a insinuação de ter como “principal marca de sua biografia o envolvimento nas denúncias de corrupção” que culminaram no assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André.
O presidente do PT, Rui Falcão, pede que a militância aflua às ruas para evitar que “os coxinhas”, como chama os tucanos, tomem conta da avenida Paulista, em São Paulo.
Lula conclama cada militante petista a se “transformar numa Dilma” para defender o governo e o partido. Sonha em construir uma fortaleza social para evitar que “a ira das elites” não destrua o PT, esse “filho adolescente que começa a dar problemas”.
Daí o esforço extraordinário do Partido para arrebanhar e juntar, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 1 de janeiro, 100 mil militantes, simpatizantes e adjacentes.
O empreendimento quer significar: “não venham com essa maluquice de cassação de mandato da presidente Dilma nem com a extravagância de uma intervenção militar; contamos com as massas nas ruas”.
Na Câmara, ao dizer que não estupraria a deputada Maria do Rosário “porque ela não merece”, o boquirroto deputado Jair Bolsonaro põe mais lenha na fogueira do embate que tomou conta do país após o pleito de outubro.
O ex-capitão fala para a galera que o aplaude como o expoente mais radical da direita. Sabe ele que a temperatura nos quartéis chega a níveis insuportáveis.
Por que não pôr mais balas no fuzil? Os comandantes das Forças Armadas têm transmitido aos presidentes de partidos e à comandante-em-chefe da Nação que majores, coronéis e generais estão de cara feia.
As tropas se revoltam com as conclusões da Comissão da Verdade, entre elas, a responsabilização dos nomes identificados com a repressão e a tortura, o que implicaria revisão da Lei da Anistia.
O recado foi ouvido pela presidente Dilma, que evitou, aliás, convidar os chefes militares para a cerimônia de entrega oficial do Relatório da Comissão da Verdade.
Os militares de pijama, com o apoio velado dos que vestem a farda estrelada, prometem emitir, nos próximos dias, uma lista com os nomes dos militares vitimados por guerrilheiros.
Afinal, o que está acontecendo? Trata-se da ressaca eleitoral. Cada banda quer tocar sua parte na orquestração do discurso nacional.
Como lembra o vice-presidente da República, Michel Temer, há sempre dois ciclos na vida de um país: o ciclo eleitoral e o ciclo político-administrativo. Cada qual tem seu espaço.
Urge não imbricá-los ou fazer com que um invada o terreno de outro. Essa parece ser a real dimensão da atualidade. Não se pode negar a legitimidade das estratégias partidárias no sentido de acirrar o discurso político.
O perigo é deixar que a situação degringole e resvale pelo despenhadeiro, ou seja, que caiamos no precipício da ilegalidade, da desordem, do caos.
O bom-senso ainda é a melhor biruta para mostrar a direção correta a seguir.
GAUDÊNCIO TORQUATO, jornalista, professor titular da USP, é consultor político e de Comunicação.
Twitter: @gaudtorquato