JÂNIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO
O PT parece estar vendo com mais nitidez a si mesmo do que às circunstâncias a que estamos todos sujeitos no Brasil. Se o documento básico para as discussões do congresso partidário, em dezembro, reconhece a estagnação do PT, também faz afirmações que indicam uma falta de realismo incompreensível.
Na opinião talvez mais forte em suas apreciações do Judiciário, por exemplo, a análise acusa-o de ser, ou de estar, "permeado por interesses privados". Qual dos poderes no Brasil não está "permeado por interesses privados"? Ou qual dos governos brasileiros recusou-se a tal condição?
Sem perder maior tempo com citação a evidências, basta citar, a propósito, as telecomunicações privatizadas no governo Fernando Henrique e elevadas no governo Lula à posição, no mundo, de mais exploradoras dos consumidores. Assim mantidas, aliás, no governo Dilma, com a continuação também do péssimo serviço. Sem problemas por isso. O mesmo para a internet. E como as telecomunicações a permearem o governo e o Congresso, também o sistema bancário, a indústria automobilística, a indústria farmacêutica, os planos de saúde, as empreiteiras de obras públicas, e por aí ao infinito.
O PT não sabe mais que o Brasil adota o regime capitalista ou esqueceu que, assim sendo, os poderes institucionais estão a serviço da natureza do regime. Mas tal perda da percepção ou da memória favorece, no caso, o entendimento do que se passa com esse partido. O PT não sabe mais que se fez por se propor a aproveitar umas e abrir outras brechas, com ideias e conquistas batalhadas, no regime destinado a "permear-se por interesses privados".
O atual PT se autoexplica na sua desmemória.
ALIADOS
A pauta de julgamentos do Supremo para amanhã prevê a retomada de um caso simbólico. É o da reposição, ou não, das perdas sofridas pelos milhões que acreditaram nas garantias oficiais das cadernetas de poupança, e de repente se viram surripiados por dois planos econômicos no governo Sarney e mais dois no governo Collor. Neste último, um deles foi o sequestro de poupanças e depósitos em conta corrente, que deixou um rastro de desgraças pessoais e empresariais. Mas, por ser Brasil, não levou nenhum dos seus autores para a cadeia.
O Banco Central e o Ministério da Fazenda são aliados dos bancos, contra as ações de ressarcimento movidas por 400 mil dos poupadores usurpados. O governo se alia aos planos que o PT e Lula chamaram de assalto à poupança do trabalhador e dos donos de pequenos negócios.
BOA COISA
Vale a pena apoiar o Bom Senso F.C. É muito bonito esse movimento que os jogadores de futebol fazem com criatividade, por melhorias na direção do seu esporte profissional e, logo será assim, na ética bastante escassa em sua prática. Sentarem-se todos em campo por alguns segundos, iniciarem o jogo como em câmera lenta: atitudes tão passivas e tão expressivas.
É mais um movimento que nasce e se desenvolve à margem de partidos políticos e de pretensas representações oficiais. E, tudo indica, inatingível pela ação desarticuladora do "black bloc".