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Cuiabá, 06 de Novembro de 2025
06 de Novembro de 2025

06 de Novembro de 2025, 14h:45 - A | A

OPINIÃO / FLÁVIA ARRUDA

O dever de amar: quando a ausência se torna um ato ilícito

FLÁVIA ARRUDA



O Brasil deu um passo histórico na proteção da infância e na valorização das relações familiares. A sanção da Lei 15.240/2025, que reconhece o abandono afetivo como ato ilícito civil, representa muito mais do que uma inovação jurídica, é o reconhecimento de que o amor, o cuidado e a presença são deveres legais e não apenas virtudes morais.

Como advogada de Direito de Família, tenho acompanhado inúmeras situações em que a ausência emocional dos pais causa marcas profundas e silenciosas nos filhos. Até então, a legislação tratava majoritariamente do sustento material, da guarda e da educação. Agora, com a nova lei, o amparo afetivo e emocional também passa a ser uma obrigação legal.

A Lei 15.240 de 2025 reforça que os pais têm o dever não apenas de prover o sustento, mas também de oferecer carinho, atenção e convivência. Essa mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece que o desenvolvimento saudável de uma criança depende tanto do alimento que se coloca no prato quanto do afeto que se oferece no coração.

A norma define assistência afetiva como a presença ativa dos pais na formação psicológica, moral e social dos filhos, o que inclui contato, visitas regulares, apoio em momentos difíceis e participação nas decisões importantes da vida da criança. Não se trata de uma interferência indevida do Estado na vida familiar, mas de uma responsabilização necessária diante de um cenário em que o abandono emocional, muitas vezes invisível, causa danos permanentes.

O abandono afetivo é uma forma de negligência que destrói por dentro. Quando um pai ou uma mãe se ausenta, física ou emocionalmente, deixa um vazio que o tempo dificilmente preenche. A lei vem justamente para dizer: essa omissão tem consequência.

É importante destacar que o abandono afetivo não se confunde com a simples distância física. Há pais que, mesmo longe, mantêm presença emocional constante; e há os que, morando na mesma casa, são completos estranhos. O que a Justiça avaliará é a omissão no dever de convivência e cuidado emocional, e se essa ausência resultou em prejuízos concretos para o filho.

A reparação prevista na lei, que pode incluir indenização por danos morais, não busca “precificar o amor”, como alguns críticos argumentam. Busca, sim, responsabilizar juridicamente quem negligencia um dever fundamental. É o mesmo princípio que norteia o direito à pensão alimentícia: não se compra afeto, mas se reconhece que há um dever e uma consequência pelo descumprimento dele.

O Estado está dizendo que o afeto é essencial à formação humana. E que negar esse afeto é ferir o direito de uma criança crescer com dignidade emocional.

O abandono afetivo, agora reconhecido como ato ilícito, é uma mensagem clara à sociedade: criar um filho é mais do que prover recursos materiais. É estar presente, orientar, acolher e amar. A ausência não é mais apenas uma falha moral; é uma infração jurídica.

Como mulher, mãe e advogada, celebro esta conquista. Ela simboliza a maturidade do nosso ordenamento jurídico em compreender que não existe desenvolvimento saudável sem vínculo emocional. E mais do que isso: que toda criança tem o direito de ser amada, e todo pai e mãe têm o dever de amar.

Dra. Flávia Arruda é advogada especialista em Direito de Família.

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