LUIZ HENRIQUE LIMA
Na medicina, o cordão sanitário é uma medida extrema e necessária para conter a propagação de agentes patogênicos letais. Na sociedade contemporânea, o conceito tem sido resgatado por democracias europeias como resposta ao avanço de forças neofascistas e formações de extrema-direita, que ameaçam os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Essa barreira é ética e institucional: não se negocia com o fascismo, não se normaliza o inaceitável. Em nenhuma hipótese.
O fenômeno tem se consolidado em países como França, Alemanha, Bélgica e Suécia, onde partidos tradicionais — inclusive conservadores e de centro-direita — recusam qualquer tipo de composição parlamentar ou governamental com legendas extremistas. Não há alianças pontuais, não há acordos em comissões, não há votos trocados em proposições legislativas. O neofascismo é tratado como o que de fato é: uma célula cancerígena no organismo democrático, que deve ser isolada, repelida e combatida antes que produza metástases nas instituições.
Essa postura não é fruto da consciência de que a democracia não pode ser cúmplice de sua própria destruição. Aqueles que flertam com o autoritarismo, disseminam o ódio e atacam as liberdades civis e os direitos humanos não são adversários legítimos: são inimigos da ordem constitucional. Angela Merkel, ex-chanceler alemã e principal líder conservadora europeia das últimas décadas, sublinhou: “Não há cooperação com quem não respeita os valores fundamentais da nossa Constituição.” Como nos ensinou Ulysses Guimarães: “Traidor da Constituição é traidor da Pátria.”
Infelizmente, em outras latitudes, o cordão sanitário tem sido ignorado ou rompido. Há quem relativize o perigo, aceite alianças oportunistas ou normalize o discurso extremista como parte do jogo político. Mas a história ensina, com dor e sangue, que toda concessão ao fascismo é um passo rumo ao abismo.
Quando se fala em neofascistas hoje, não é preciso procurar por milícias uniformizadas marchando garbosamente com suásticas ou “fascios littorios”. A maioria deles não se assume abertamente, mas tampouco hesita em recorrer aos mais avançados recursos tecnológicos para difundir e praticar a velha cartilha de intolerância e discriminação, inclusive religiosa, e de violência, seja verbal, virtual, moral ou física. São os que propagam discursos e “piadas” racistas, misóginas e homofóbicas e, quando confrontados, choramingam que agiram “no calor do momento”, apenas para, na primeira oportunidade, retomarem a ofensiva com a frieza de escorpiões.
O cordão sanitário não é intolerância: é lucidez. Não é exclusão: é defesa. Não é possibilidade: é necessidade. Não é para depois de amanhã: é para anteontem. É o compromisso de preservar e fortalecer a democracia especialmente quando ela é desafiada por dentro. Que o exemplo europeu inspire os democratas de todas as tendências. A democracia é um valor que se defende todos os dias e não há conciliação com quem quer destruí-la.
Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado.