A pessoa se reconhece através de um complexo processo de autoavaliação e reflexão. Mas só?
Sabemos, a partir do pensamento moderno, em especial o de Lacan, que o ser se reconhece no outro, sim, na alteridade, na comparação dialética entre aquilo que sou (comportamento, atitude, posição frente às vicissitudes da vida etc.) e o que tudo isso representa no outro, ou de como esse outro se manifesta.
Vejamos, então: o reconhecer-se no outro não é um julgamento?
Pois bem. Nos acertos e erros do outro é que nos descobrimos em acertos e erros, também. Assim, a partir daquilo que julgamos acertado ou errado no outro é que nos definimos e caminhamos solitariamente para a própria subjetivação.
Neste exato momento, lendo estas palavras iniciais, já estamos concordes ou discordes; julgando, portanto.
O julgamento dos amigos, do vizinho, dos colegas de trabalho, da família, todos, e dos mais variados tipos, estão no dia a dia de cada qual e para cada qual.
Nas redes sociais, os julgamentos são mais abertos, transparentes, a exceção é o anonimato, deste o sufixo já diz tudo.
Consideremos o Facebook, das curtidas ou não, já que a ferramenta está a um "clic" do interessado, se pode sentir a reprovação ou aprovação de seu texto ou comentário. Ou ainda, a indiferença, que não é muda, mas eloquente. Julgou-se eletronicamente e em tempo real, e o autor pode avaliar os "amigos".
O anonimato se relaciona mais com os sites de notícias, nos comentários. Tirando o conteúdo que de cara se percebe o interesse pela vindita, ou de falta de cultura e conhecimento, têm-se verdadeiras lições a tirar.
Os teóricos sociais deveriam debruçar-se mais sobre isso. Há uma coerente participação popular neles, uma corresponsabilidade no produzido e no resultado. A máscara cai, dependendo da "argumentação" dos comentaristas, anônimos ou não.
O recato, a paz dos inocentes, não prevalece mais, foi-se embora, impotente. Está-se a criar novas tolerâncias.
A profundidade dos acontecimentos não importa mais, todos querem participar. A capacidade e conhecimento de causa é detalhe dos desavisados.
E diante disso, como ser feliz na comédia contemporânea? Ser ou não ser, que desculpemos a Shakespeare, não é mais a questão. É outra a inquietação, é de sobrevivência, de dramaturgia.
Para Santo Agostinho, aqueles que viveram retamente, amando o bem, afastando-se do mal e dos maus, embora esteja sujeito a sofrimentos terrenos, gozarão das delícias do porvir.
Que assim seja, pois, dos julgamentos por aqui, o de lá deve ser mais suave.
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz de Direito em Cuiabá.