NAILTON REIS
O feminicídio não começa no crime, começa no cotidiano. Antes do primeiro empurrão, há o silêncio. Antes do primeiro tapa, há a palavra que fere. Antes da morte, há o esvaziamento da alma. A violência psicológica é a semente mais perigosa do feminicídio — porque ela se instala onde deveria haver amor.
No Instituto Mentes Plurais, cuja base é a prática clínica e a psicoterapia, observamos diariamente o quanto a violência psicológica é o primeiro golpe invisível que antecede toda escalada de abuso. A experiência clínica mostra que a primeira ferida é sempre psíquica. É na mente que o medo se instala, é no coração que a dúvida cresce, e é na alma que o amor começa a se confundir com dor. Por isso, compreender a violência psicológica é compreender o início de tudo. É ali, no campo emocional, que a psicologia atua — acolhendo, prevenindo e reconstruindo.
A mulher, muitas vezes, não percebe o início do controle. Ele chega em pequenas doses: um comentário sobre a roupa, uma restrição sutil, um olhar que desaprova. Aos poucos, o “eu só quero cuidar de você” vira “sem mim, você não é nada”. E é assim que a violência se infiltra: em gestos que se parecem com cuidado, mas que aprisionam. Quando o controle vira rotina, a mulher começa a perder a liberdade e, junto dela, o amor-próprio.
A violência psicológica é cruel porque ela se disfarça de afeto. O agressor se emociona, pede desculpas, promete mudar, chora. E o ciclo se repete: tensão, explosão, arrependimento, reconciliação. A mulher, esgotada, acredita no pedido de perdão, e assim, a cada volta, o ciclo se fecha um pouco mais. A dor passa a morar dentro da casa e dentro da mente. A psicologia, nesse momento, é o espaço onde o silêncio pode ser traduzido. É onde a mulher volta a se ouvir e a se reconhecer.
Mas o diálogo também precisa chegar até o homem. Porque, para que a violência acabe, é preciso que ambos os lados aprendam a se enxergar. O homem também foi educado em um modelo rígido de masculinidade — uma cartilha que ensina a calar o choro, esconder o medo, reagir com força e validar o poder. Essa masculinidade tóxica aprisiona. Ela faz com que muitos homens acreditem que amar é dominar, que perder é ser fraco, que ceder é ser menos.
Não estamos falando dos que se orgulham dessa postura, mas dos que sentem o peso dela e querem fazer diferente. Aos homens que desejam relações saudáveis, o convite é para a reflexão e a reconstrução. Buscar ajuda psicológica não é sinal de fraqueza — é um gesto de maturidade. Ser homem não é sobre provar força, é sobre aprender a existir com respeito. Ser homem é um ato de presença, não de poder. É compreender que cuidar e dialogar não diminui ninguém — ao contrário, é o que torna um vínculo possível.
Tanto o homem quanto a mulher precisam de acolhimento. A mulher, para se libertar do ciclo e resgatar a própria identidade; o homem, para desconstruir o que aprendeu sobre afeto e construir novas formas de se relacionar. A psicologia é o ponto de encontro entre os dois caminhos. É nela que se dá a escuta que cura, o diálogo que previne e o aprendizado que transforma.
Busque profissionais capacitados, que compreendam as nuances das relações humanas e estejam em constante atualização. Entenda que o melhor terapeuta é aquele com quem você se adapta, e a melhor abordagem é aquela que te ajuda a modificar padrões. Se você está em terapia e nada está mudando, se ela não te provoca reflexão nem desconforto saudável, talvez seja hora de repensar. Mas se a terapia te ajuda a perceber sentimentos, compreender emoções e reconstruir formas de existir, esse é o caminho certo.
Um bom terapeuta não é aquele que diz o que você quer ouvir, mas o que você precisa ouvir — com ética, respeito e propósito de transformação.
Toda violência começa de forma silenciosa. Primeiro cala a voz, depois apaga o olhar, até que o corpo inteiro se torne medo. É nesse instante que a psicologia pode agir: devolvendo à mulher o direito de existir em voz alta e ao homem a chance de reaprender o que é amar. Reconhecer a violência psicológica — em si ou no outro — é o primeiro passo para impedir que o silêncio vire tragédia. A primeira agressão não é o tapa: é a palavra que fere. E é nela que precisamos agir, porque é onde tudo começa.
Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT
CRP 18/7767
















