RODRIGO SENRA
A decisão de cancelar o contrato original do BRT em Cuiabá escancarou um grave problema de planejamento: hoje, quem vencer a nova licitação terá que idealizar, projetar e executar ao mesmo tempo, ou seja, não há uma solução plenamente desenhada para as obras. Isso é arriscado, especialmente quando se trata de infraestruturas complexas de drenagem, transporte e mobilidade urbana, em uma cidade sujeita a chuvas intensas e à expansão acelerada.
Todo problema técnico tem solução; o que pesa é o custo. Um sistema concebido há anos dificilmente suportaria os novos volumes de chuva ou o padrão atual de ocupação urbana. A solução passa por redimensionamentos, que incluem aumentar diâmetros, trocar materiais por aqueles que reduzem atritos, modificar inclinações ou usar tubos com melhor desempenho hidráulico, o que pode dobrar a capacidade de escoamento.
Com a aproximação do período de chuvas, o risco se intensifica. Cuiabá enfrentou episódios críticos nos últimos anos: em novembro de 2024, um temporal inundou avenidas, UPAs e hospitais; em janeiro de 2025, fortes chuvas provocaram alagamentos em diversos bairros da capital. Esses incidentes mostram que o sistema de drenagem opera no limite. Com obras abertas, canteiros expostos e redes antigas, a situação pode se agravar sem um plano emergencial de contenção e monitoramento preventivo.
Em engenharia, drenagem e mobilidade são sistemas integrados, então, se um falha, o outro colapsa. Quando o planejamento é fragmentado, o resultado é o caos: ruas interditadas, trânsito travado e prejuízos diretos para quem depende da cidade para trabalhar e se deslocar.
Cuiabá soma 27 pontos críticos de drenagem. As obras em curso, previstas para terminar apenas em 2026, pretendem corrigir parte dessas deficiências, mas a falta de coordenação entre as frentes de trabalho e a ausência de planos claros de mitigação tornam o processo mais penoso para a população.
Durante audiência pública, foi sugerida a criação de um comitê de acompanhamento técnico, com participação do Estado, do município, do Ministério Público, da sociedade civil e das empresas executoras. Essa medida permitiria garantir diálogo, ajustes rápidos e fiscalização efetiva, reduzindo danos e aumentando a transparência no andamento das obras.
Como profissional da engenharia, lembro que é papel dos poderes Executivo estadual e municipal minimizar os danos enquanto se constrói. Obras de mobilidade só se justificam se os benefícios superarem os transtornos e, para isso, é indispensável ouvir técnicos e entidades representativas desde o planejamento até a execução.
Na prática, vem acontecendo o contrário. Segundo sondagem da CDL Cuiabá, 90% dos empresários afirmaram que as obras do BRT afetaram negativamente seus negócios. O levantamento aponta queda média de 36% no faturamento e revela que duas em cada dez empresas precisaram demitir funcionários. Houve ainda redução no fluxo de clientes em 83% dos estabelecimentos.
O IEMT pode e deve atuar como ponte entre o poder público e o conhecimento técnico: oferecer pareceres independentes, simulações hidráulicas, apoio no dimensionamento das drenagens e no projeto de dissipadores de energia, além de propor alternativas menos invasivas e cronogramas escalonados. Mais do que criticar, queremos contribuir, com soluções que tornem Cuiabá uma cidade mais preparada, segura e eficiente.
Por fim, é urgente que o Estado e a Prefeitura abram espaços de participação técnica e social, publiquem cronogramas atualizados, indiquem rotas alternativas e implementem medidas de compensação aos comerciantes afetados. Só assim as obras do BRT deixarão de ser fonte de transtornos e se tornarão um marco positivo de engenharia, planejamento e mobilidade urbana, digno da capital de Mato Grosso.
Rodrigo Senra, presidente do IEMT, engenheiro civil, empreendedor, palestrante e professor MBA de soluções BIM e transformação digital, [email protected].