MARIANA VIDOTTO
Nos últimos dias, Mato Grosso foi palco de mais um crime que chocou o País. Assistimos com indignação e dor, a brutal agressão sofrida por uma adolescente de 12 anos dentro de uma escola estadual em Alto Araguaia. Espancada por colegas de turma, ela foi forçada a permanecer ajoelhada, sem chorar, sob ameaça de mais violência. A agressão foi gravada, publicada em redes sociais e revelou um grupo de alunas que se organizava como uma espécie de facção — com regras internas e um código de conduta calcado no medo, na humilhação e na força.
A cena choca. Mas, mais do que isso, ela revela uma falha coletiva: a escola, a família e a sociedade estão perdendo de vista a missão de formar seres humanos conscientes, empáticos e com virtudes. O resultado disso pode ser devastador, especialmente entre crianças e adolescentes.
A neurociência já demonstrou que o cérebro humano só atinge maturidade plena, total, por volta dos 25 anos. Durante a infância e adolescência, áreas responsáveis pela empatia, controle de impulsos, julgamento moral e tomada de decisões — como o córtex pré-frontal — ainda estão em desenvolvimento.
Isso significa que os jovens aprendem a sentir, pensar e agir com base naquilo que vivenciam repetidamente. Ambientes marcados por negligência emocional, violência doméstica, relações hierárquicas coercitivas ou ausência de limites seguros, modelam cérebros que aprendem a sobreviver pela dominação ou submissão. Não se trata apenas de “mau comportamento”, e sim, de uma arquitetura neural sendo moldada todos os dias.
No caso de Alto Araguaia, a promotoria identificou que algumas das meninas agressoras estavam, na verdade, reproduzindo dentro da escola aquilo que viviam em casa. Essa constatação nos obriga a ampliar o olhar: os agressores também são vítimas de uma cultura emocionalmente adoecida.
Diante disso, é urgente resgatar o papel da escola também como um dos principais ambientes formadores do caráter. Mais do que transmitir conteúdos curriculares, a escola deve ser um território de desenvolvimento emocional, social e ético. Um laboratório vivo de convivência.
A Abordagem Centrada nas Virtudes (ACV), como ferramenta de trabalho, ressalta que virtudes como: respeito, compaixão, empatia, humildade, honestidade e responsabilidade não são traços fixos. Elas são sementes que precisam ser cultivadas todos os dias com exemplos, diálogos, escuta ativa, mediação de conflitos e rituais de reconhecimento.
Ensinar virtudes é diferente de fazer discursos moralistas. Trata-se de oferecer experiências concretas em que o aluno possa: sentir-se pertencente; reconhecer os limites do outro e os seus; reparar erros sem ser anulado; experimentar o valor de agir com gentileza, mesmo diante da raiva. Esses são alguns dos pontos a serem trabalhados de forma conjunta, família e escola, para a construção não só de alunos, mas, seres humanos.
Nenhuma criança nasce violenta. Mas também, nenhuma criança se torna virtuosa sozinha. Nesse mister, a corresponsabilidade está entre escola e família, sim!
O que aconteceu em Mato Grosso não é um problema isolado da unidade escolar, tampouco só dos pais. É um retrato de desalinhamento entre dois pilares fundamentais da formação humana.
A escola precisa acolher e educar, sim. Mas também precisa estar conectada às famílias. É preciso resgatar o diálogo, o vínculo, a construção de valores em comum. A formação de uma personalidade saudável não se dá por um único agente, mas por uma teia relacional que ensina, sustenta e repara.
Por fim, se há famílias adoecidas, mais ainda a escola precisa de atenção e preparo com formação de professores (em inteligência emocional), rodas de virtudes, escuta ativa, projetos de convivência e, principalmente, presença adulta significativa no cotidiano dos alunos.
Momentos como esse, nos convocam a algo maior do que indignação momentânea. Nos obrigam a rever práticas, políticas e prioridades. O que aconteceu em Alto Araguaia é grave. Mas, pode se tornar um marco. Deve ser para nós um ponto de virada. Desde que saibamos transformar a dor em movimento, o choque em compromisso, e a Educação que não ensine apenas a pensar — mas a sentir, escolher e cuidar.
_Mariana Vidotto _ é mãe, Psicoterapeuta Familiar e Orientadora Parental, Especialista em Neurociência e Desenvolvimento Infantil, atua há 10 anos atendendo pacientes de 7 países diferentes E-mail: [email protected]