ENILDES CORRÊA
No nosso dia a dia, ficamos tão envolvidos com os problemas, a atenção voltada quase que tão somente para o próprio umbigo, que passamos pelas pessoas e não as vemos. Aliás, as pessoas deste “mundo moderno”, sempre tão ocupadas, correm um risco ainda maior: o de passar pela vida sem vê-la e sem vivê-la. Homens e mulheres com seus sapatos e sentidos fechados, vivem quase sem sentir e tocar a terra que lhes dá o ar de cada dia.
O borbulhar de vida acontece a toda hora e a todo momento diante de nossos olhos, mas só podemos perceber e sentir se estivermos presentes no aqui e agora. Normalmente, não é o que acontece. O presente fica de lado, espremido pela mente que gira em função do passado e do futuro.
Dessa forma, vamos ter pessoas ausentes e desconectadas tanto do seu mundo interior quanto do exterior. E essa ausência de presença faz muitos estragos e buracos na convivência humana, nas áreas familiar, profissional e social.
Se não estamos enraizados no presente, deixamos de interagir de maneira equilibrada e saudável com a vida, nas suas mais variadas formas. Cortamo-la, dentro e fora de nós. Os sentidos ficam entorpecidos. Não ouvimos as preces da Existência sendo expressas através do riso das crianças, da canção dos pássaros, do som das cachoeiras, do vento, do “farfalhar das saias verdes das árvores”, como expressou a poetisa Ana Maria Gomes em ‘Árvores’. Não vemos o bailado das borboletas, os olhares ternos dos mansos anciões, o florescer das plantas, o colorido do amanhecer e do entardecer, o voo pausado das garças que cruzam a imensidão do céu todos os dias acima das nossas cabeças...
Estar e ficar presente no aqui e agora, no momento do cuidado com os filhos, do banho, de molhar as plantas, de cozinhar, lavar os pratos, ou qualquer outro ato do cotidiano, é abrir as portas para nos unificarmos em nível interno e externo. Com essa totalidade de presença em tudo que fazemos, o nosso fazer adquire uma qualidade diferenciada e torna-se meditação.
Nesse ato simples de estar presente, saímos do estado de tensão, conseguimos relaxar, a nossa visão clareia e se amplia. Assim, mais relaxados e com a visão mais clara, encontramos soluções para muitos dos problemas que enfrentamos.
E como permanecer no aqui e agora, sem apego ao passado e sem medo ou ansiedade em relação ao futuro? A chave é acolher o momento atual, quer o consideremos bom ou não.
Papai, certa vez, disse-me: “A vida é boa. Esteja a vida boa ou não, você a considera boa. Assim, ela fica boa. E quando você vai dormir, fecha os olhos e o sono vem. Você não se preocupa e dorme aquele sono bom, tranqüilo.”
Ao termos a coragem de encarar a realidade como ela se apresenta, mesmo em meio às maiores tribulações, torna-se possível sair do caos mental e manter o equilíbrio interior. Ganhamos força e clareza para lidar com os problemas e, o que é melhor, saímos da reação, do papel de vítima, paramos de culpar os outros pelas nossas misérias emocionais, e assumimos a responsabilidade pelos nossos atos. Aí, sim, podemos transcender nossos limites.
Essa aceitação e acolhida da vida como ela é, aqui e agora, dá-nos um forte enraizamento com o nosso centro e nos permite viver de forma madura e pacífica. Desapegamo-nos do passado e nos despreocupamos com o futuro. Nestas condições, conseguimos desembarcar efetivamente no presente que é a própria vida, quer seja nos momentos de alegria, que seja nos de tristeza. Então, torna-se possível celebrarmos a vida de modo incondicional.