LUIZ HENRIQUE LIMA
O Brasil tem o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Deveria ter também o Livro dos Traidores. Neste, um lugar de destaque, senão o mais nobre, deveria ser reservado a Pedro de Bragança, mais conhecido como Pedro I.
Sim, o mesmo que, segundo relatos, às margens do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, soltou o brado “Independência ou Morte!”. Contudo, a independência não veio apenas com um grito. Na realidade, ela foi conquistada nos campos de batalha do Maranhão, do Pará e no glorioso 2 de julho de 1823, na Bahia.
Pelo menos três foram as traições de Pedro ao nosso Brasil. Em seu conjunto, representaram enorme custo financeiro, político e institucional na primeira infância de nosso país. Até hoje, sob muitos aspectos, a nação carrega os traumas e as consequências de seu múltiplo abandono por aquele que se arvorou em seu fundador e protetor.
A primeira grande traição ocorreu logo em 1823. Ao dissolver a Assembleia Constituinte, sitiando e invadindo o Parlamento com tropas militares portuguesas, prendendo e exilando líderes da estatura de um José
Bonifácio, Pedro não apenas deu vazão ao seu temperamento ditatorial, mas imprimiu a marca do autoritarismo no código genético da cultura política do nascente Brasil. O país mal tinha completado um ano e já sofria o seu primeiro golpe de Estado. Em vez de ser cidadãos, os brasileiros foram reduzidos a súditos.
Enquanto o mundo vivia a era das Constituições liberais - e nessa direção caminhava o projeto em debate na Constituinte - o traidor/ditador impôs-nos a Constituição de um homem só: autoritária, centralizadora, escravista, atribuindo ao monarca um exótico “poder moderador”, que se sobrepujava aos demais. Cabia a ele nomear e demitir ministros, escolher senadores, suspender magistrados e revisar sentenças, entre outras prerrogativas. Assim, Pedro tornou-se o pioneiro e padroeiro dos golpistas e liberticidas que até hoje assombram a Pátria. É importante notar: em 1823, países como Chile, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Haiti e
Holanda já haviam abolido a escravidão.
A segunda traição foi a celebração do Tratado de Paz e Aliança com Portugal, em 1825. Nele, Pedro impôs que o Brasil assumisse a dívida que Portugal contraiu com a Inglaterra para combater nossa Independência.
Em outras palavras, Portugal perdeu a sua antiga colônia, sendo derrotado militarmente na Bahia, no Pará e no Maranhão, mas quem pagou a conta foi o Brasil.
Imagine se, após derrotar Hitler, Churchill fizesse a Inglaterra pagar pelas bombas lançadas sobre Londres. Ou se o Vietnã decidisse ressarcir os Estados Unidos pelas toneladas de napalm despejadas sobre suas aldeias.
Pois, sob Pedro I, o Brasil comprometeu-se a indenizar Portugal no montante de 2 milhões de libras esterlinas, equivalentes a cerca de 15 toneladas de ouro. Além disso, assumiu a dívida portuguesa com a Inglaterra, de 1,4 milhão de libras. Esses valores constavam num documento anexo ao Tratado e foram mantidos em sigilo por Pedro. O acerto ainda concedia a D. João VI o título de “Imperador do Brasil” e privilégios a Pedro na linha sucessória portuguesa.
Desse empréstimo, do qual o Brasil literalmente não viu um centavo, originou-se a dívida externa brasileira. Com vencimentos não pagos e juros crescentes, essa dívida só foi quitada em 1940, por Getúlio Vargas — e com bens primários, como café e minérios, em meio à exaustão da Inglaterra pela II Guerra Mundial.
Finalmente, a terceira traição ocorreu em 1831, quando Pedro abandonou o Brasil, do qual era “defensor perpétuo”, para tratar de interesses pessoais em Portugal, onde travaria uma guerra contra o próprio irmão.
Deixou o país mergulhado num caos político e financeiro, com o tesouro dilapidado e um “herdeiro” de apenas cinco anos de idade. Sua gestão desastrosa foi marcada pela corrupção de seus auxiliares mais próximos, por uma derrota na guerra pelo Uruguai, pela falência do Banco do Brasil e pelo assassinato impune do principal jornalista de oposição. Após abdicar, Pedro escondeu-se num navio inglês, esperando alguns dias para fugir, mas somente após assegurar-se que os seus baús estivessem abarrotados do que restava no tesouro nacional para financiar sua guerra particular na Europa.
Três vezes traidor do Brasil, Pedro I ainda é modelo e inspiração para alguns do nosso presente. Mas não para aqueles que têm como valores a liberdade, a soberania e a ética.
Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado


















