NAILTON REIS
Falar sobre suicídio em Mato Grosso é inevitavelmente falar sobre masculinidade. Só em 2019, 254 pessoas tiraram a própria vida no estado — um aumento de 22% em relação a 2018. Em 2020, a taxa foi de 7,4 mortes por 100 mil habitantes, número que supera a média nacional. A predominância é masculina: estudos epidemiológicos apontam que, no período de 2015 a 2021, a mortalidade dos homens por suicídio no estado cresceu mais de 60%, especialmente entre jovens de 20 a 29 anos, seguidos pelos de 30 a 39 anos.
Apesar da gravidade, não existe precisão nos números quando se trata de orientação sexual. Não sabemos, entre esses homens que morreram, quem era gay ou bissexual. O que se pode afirmar é que no interior dessa estatística estão sujeitos LGBT, invisíveis nos registros, mas presentes nas realidades de sofrimento. O artigo “Suicídio e masculinidades: uma análise por meio do gênero e das sexualidades” (Baére & Zanello, 2020) mostra como a masculinidade hegemônica pesa sobre todos os homens, mas com efeitos diferentes: o gay enfrenta a rejeição direta da família e da religião, enquanto o bissexual carrega a dor da dupla exclusão — não aceito nem pelo grupo heterossexual, nem, muitas vezes, dentro do próprio meio LGBT.
Em Mato Grosso, esse cenário se soma a outro dado preocupante: a subutilização dos dispositivos de saúde mental pelos homens. Enquanto as mulheres buscam atendimento nos CAPS por sintomas depressivos e ansiosos, os homens aparecem em maior número apenas quando a demanda é dependência química, quase sempre já em situação crítica. Isso revela um silêncio masculino diante da depressão: os homens não reconhecem seus sofrimentos emocionais como motivo legítimo para procurar ajuda, e acabam acessando o cuidado apenas no limite.
Diante disso, olhar para o suicídio masculino em Mato Grosso é compreender um triplo silenciamento: o silêncio da própria masculinidade, que proíbe a expressão da dor; o silêncio dos números, que não revelam quem são os homens LGBT dentro dessa tragédia; e o silêncio da saúde pública, que ainda não consegue chegar até eles antes do colapso. É nesse ponto que o estudo de Baére & Zanello se torna norteador: quando a masculinidade hegemônica é a régua, toda diferença vira vulnerabilidade — e para o homem gay ou bissexual, a exclusão se torna um peso de vida e morte.
Dispositivos de apoio
Se você está em crise, ou se conhece alguém que está, procure ajuda imediatamente:
CVV – Centro de Valorização da Vida: ligue 188 (24 horas, gratuito). Também disponível em cvv.org.br.
CAPS (Centros de Atenção Psicossocial): atendimento gratuito pelo SUS para quem enfrenta sofrimento mental, dependência química ou risco de suicídio.
Unidades Básicas de Saúde (UBS): portas de entrada para acolhimento e encaminhamento.
SAMU (192) em situações de emergência.
Nailton Reis é Psicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT
CRP 18/7767