VANESSA MORENO
DO REPORTÉR MT
O farmacêutico Linaudo Jorge de Alencar e a técnica de enfermagem Paula Cristina dos Reis Moura foram denunciados pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) por homicídio culposo e aborto culposo. Ambos foram acusados por administrar um medicamento e causar a morte de Elaine Ellen Ferreira Vasconcelos de 32 anos, que estava grávida de oito meses, sem exigir receita médica, mesmo sabendo que o medicamento só poderia ser administrado com prescrição.
Consta na denúncia que no dia 4 de abril de 2023, por volta das 9 horas, Elaine Ellen foi até à farmácia de propriedade de Linaudo, no bairro Tijucal, em Cuiabá, junto à mãe dela. Lá, a vítima foi atendida por Paula Cristina e disse que tinha o interesse em fazer uso de um coquetel antigripal denominado Neo Cebetil Complexo. A técnica de enfermagem, mesmo sabendo que Elaine estava grávida e que a aplicação do remédio só poderia ser feita com prescrição médica, não exigiu a receita e encaminhou a gestante à sala de injetáveis da farmácia.
>>> Clique aqui e receba notícias de MT na palma da sua mão
LEIA MAIS: Grávida toma injeção para aumentar imunidade, passa mal e morre em Cuiabá
LEIA MAIS: Injeção vitamínica aplicada em grávida é contraindicada para gestantes
Lá, o remédio foi aplicado com autorização de Linaudo, porém sem a supervisão dele. A mãe de Elaine, Célia Neusa, também fez uso do medicamento.
Durante a aplicação em Elaine, ela reclamou de dor e pediu para interromper o procedimento. Consta na denúncia que a técnica de enfermagem interrompeu, mas neste momento a vítima começou a espumar pela boca e as pernas e os lábios dela começaram a inchar.
A mãe de Elaine entrou em desespero e Paula Cristina tentou acalmá-la, dizendo que era apenas uma queda de pressão.
Inconformada, a mãe saiu da sala de injetáveis e pediu ajuda para Linaudo, mas este também disse que se tratava de “uma mera queda de pressão”.
Com isso, Célia foi até um lava-jato de propriedade do seu genro, marido da vítima, para pedir que ele fosse imediatamente à farmácia onde estava Elaine. Chegando lá, ele encontrou a mulher caída no chão.
Desesperado, ele quis colocá-la em seu carro para levá-la ao Pronto Socorro, no entanto, Linaudo impediu.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) então foi acionado, e, em contato com a médica atendente, Linaudo teria mascarado o real estado de saúde da vítima, dizendo que ela estava acordada, pálida e com pressão arterial sem alteração significativa.
Neste momento, a médica pediu para falar com o marido da vítima, que desesperado informou que a vítima estava desacordada e gelada, o que gerou estranheza na equipe médica.
Quando o serviço de atendimento médico chegou ao local, Elaine estava com dedos das mãos e pés roxos e sem sinais vitais. Ela foi encaminhada ao Hospital Santa Helena, mas chegou sem vida. O bebê também já havia morrido.
De acordo com o laudo de necropsia, Elaine Ellen morreu por anafilaxia, ou seja, reação alérgica grave. Já o bebê, que era do sexo feminino, morreu em decorrência de asfixia intrauterina.
Ainda na denúncia, o MP ressaltou que o tempo entre o momento em que a vítima começou a passar mal e o acionamento do SAMU foi de cerca de 30 minutos e que a demora não foi por erro em diagnóstico médico, visto que as reações eram claras até mesmo para uma pessoa sem conhecimento na área de saúde.
Além disso, o Ministério Público apontou que a conduta de Linaudo e Paula foram culposas, ou seja, sem intenção, mas a demora ao acionar o socorro mesmo diante do estado crítico da vítima, por receio das consequências, demonstra que ambos assumiram o risco da morte da mãe e do bebê.
“Ao perceber o estado crítico da vítima (segundo momento), sabendo da necessidade imediata de socorro, de sua posição de garantidor e podendo agir para impedir o resultado, esta resolveu postergar intencionalmente o acionamento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) por receio das consequências, sobretudo administrativas, por não ter exigido a receita médica, assumindo, portanto, o risco da produção do resultado”, diz trecho da denúncia.
O MP ressaltou ainda que a não há dúvidas de que a dupla agiu com displicência ao não tentar impedir a morte da vítima e da bebê.
“Não restam dúvidas de que os denunciados tinham o dever jurídico de agir para impedir o resultado (morte da vítima e do feto) por todos os meios ao seu alcance, mas, ao invés disso, preferiram agir com displicência com a situação”, ressaltou o Ministério Público.
A denúncia foi aceita pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que abriu prazo para Linaudo e Paula responderem à acusação.
Linaudo alegou que não foi responsável pela morte de Elaine, porque Paula agiu sem autorização e supervisão. Disse também que não sabia que a vítima estava grávida e que quando percebeu a gravidade da situação ofereceu primeiros socorros.
Já Paula Cristina alegou que a vítima insistiu em receber a aplicação, mesmo sem receita médica, e que ela se sentiu encorajada a aplicar a vitamina após a vítima ter retornado à farmácia por dois dias consecutivos. A técnica em enfermagem disse ainda que o episódio foi um fato isolado e que ela se arrepende profundamente do ocorrido.