ROBERTO BOAVENTURA
A calmaria não nos pertence mesmo. Pior: há época em que tudo parece acontecer ao mesmo tempo, o que torna difícil escolher apenas um tema para a abordagem semanal.
Atravessamos dias assim: turbulentos. Tão turbulentos que até a morte de Manoel de Barros, quinta-feira (13/11), não receberá neste texto a atenção que merecia.
Só o registro do meu lamento, seguido da certeza de que dificilmente teremos outro poeta tão maior que soube focar seu olhar para o menos da vida.
Também não receberá a merecida atenção a partida de Leandro Konder, um intelectual que ainda se autodeclarava marxista em plena era do vazio contemporâneo.
Assim, no lugar de homenagens a esses dois importantes brasileiros, compartilho reflexões que não podem esperar.
Uma delas se refere aos respingos da operação “Lava Jato”, mais especificamente a pontos do discurso da presidente Dilma Rousseff, proferido na Austrália, em 16/11, onde participou da cúpula do G-20.
No geral, a presidente chamou as apurações da Polícia Federal de “simbólicas”, pois é a primeira investigação que envolve agentes privados e públicos. Todavia, para ela, não é possível “demonizar todas as empreiteiras”.
Mesmo assim, disse que o escândalo na Petrobrás “mudará para sempre a sociedade brasileira, o Estado brasileiro e a empresa privada... Mudará o Brasil para sempre... porque vai acabar com a impunidade”.
No entanto, para atenuar a gravidade que paira sobre agentes de seu governo, bem como de seu partido (PT), falou que era possível listar muitos escândalos antes do da Petrobrás: “escândalos que nunca foram investigados”.
É vero!
A corrupção nos acompanha desde sempre; aliás, atravessou o Atlântico em caravelas portuguesas na entrada do século XVI. Aqui, achou o ninho perfeito para sua proliferação.
Contudo, os corruptos anteriores aos envolvidos do governo atual – muitos deles escondidos nas sombras das cruzes do catolicismo – nunca tiveram pudor algum; por isso nunca foram baluartes contra a corrupção. Apenas viveram-na.
Já a turma do atual governo sim; aliás, essa gente criou os seguintes imperativos: “Fora, Sarney”; “Fora, Collor”; “Fora, Itamar” e “Fora, FHC”. Houve quem aprendesse as lições...
Seja como for, não creio que esse gigantesco escândalo de corrupção, mesmo sendo o maior de nossa história, seja tão significativo a ponto de “mudar o (imenso) Brasil”.
Para isso, muita gente transformada em graúda, hoje de barba de molho”, precisaria ser exposta. Será exposta?
Enquanto isso, outra forma de corrupção, aparentemente menor, me incomoda: os sistemáticos problemas do Enem. O deste ano foi o vazamento da prova de redação. Para a felicidade dos organizadores, esse escândalo pode virar pó diante do que ocorre na Petrobras.
Todavia, é lamentável e inconcebível essa situação. Em países sérios, um exame assim seria cancelado. Nitidamente, houve privilegiados no processo; houve prejudicados no certame.
Um desses foi o jovem piauiense Jomásio Barros Filho. Em vídeo ele mostra que recebeu uma mensagem com foto da prova de redação uma hora e treze minutos antes do exame.
Na hora, Jomásio pensou que fosse outra mentira circulando nas redes, mas se revoltou quando recebeu a prova de redação e viu que era a mesma da foto. Em duas horas ele fez a prova e foi à Polícia Federal registrar a denúncia. À imprensa disse que aquilo era “injustiça com muitos alunos. Quem tinha esse tema vai se sobressair sobre quem não tinha”.
E daí? Ficamos assim mesmo? Nada vai acontecer?
Eis uma chance do governo mostrar já que não aceita corrupção de tipo algum.