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Cuiabá, 26 de Abril de 2024
26 de Abril de 2024

03 de Dezembro de 2018, 08h:35 - A | A

OPINIÃO / ROBERTO DE BARROS FREIRE

IIusões do novo governante

Bolsonaro possui o coração de bem menos da metade da população brasileira



Bolsonaro venceu a eleição e tem ampla legitimidade para implantar o governo que propalou nos palanques. E sempre repete que a minoria tem que se curvar à maioria. Nunca é demais definir essa “minoria” - 47 milhões votaram contra o bolsonarismo no segundo turno. Outros 11 milhões apertaram branco ou nulo, ou seja, também não corroboraram essas propostas. A soma representa 50,1% dos que foram às urnas. Além disso, houve mais de 20 milhões de abstenções, o que significa que Bolsonaro possui o coração de bem menos da metade da população brasileira.

Bolsonaro chega ao governo sem que tenha um programa minimamente apresentável. Ele foi eleito por uma maioria de votos válidos, fascinante do ponto de vista numérico como um grande protesto nacional contra tudo. Não especificamente a favor dele. E o que se tem: você tem um país ainda sem programa, com uma revolta que é real e numa expectativa de que ele responda aos anseios. Mas, se tinha um projeto de país, hoje não existe nenhum. Será muito salutar ao país que Bolsonaro entenda que a cadeira presidencial não é palanque eleitoral, e caia na real: depois de se declarar contra o Acordo de Paris e até mesmo contra a permanência do Brasil na ONU, voltou atrás. E ainda que afirme respeitar a Constituição, o que pode ser lido de muitas maneiras, o fato é que mais quer mudar as leis do que se submeter às mesmas.

“É governar pra todos e ponto final. Não é para esse ou aquele setor, é pra todo mundo”, disse Bolsonaro. A promessa feita representa, até agora, estelionato eleitoral de uma gestão que ainda nem recebeu a faixa. O candidato sempre deu insofismáveis sinais de que faria e fará um governo que pode ser qualquer coisa, menos “pra todos”.

Prometeu unir o país ou formar um ministério exclusivamente técnico e de reconhecida qualificação, e, no entanto, nos separa e nos coloca em choque (esquerda versus direita, sendo esquerda tudo que ele desaprova, o que longe está de ser alguma verdade), e coloca políticos nos ministérios cedendo à pressão das bancadas políticas (que dizia que não cederia aos políticos do congresso), ou aos militares. Ruralistas, militares, pastores evangélicos, políticos e empresários, e até mesmo seus filhos, por exemplo, mandam em Bolsonaro. Na economia desponta o ultraliberalismo, com um presidente não liberal, o que mais cedo ou mais tarde vai se mostrar inviável.

O Ministério da Agricultura virou de vez puxadinho da bancada ruralista. No Itamaraty, a resistência ao comunismo que ameaça dominar o planeta (ficção esquizofrênica que não resiste a qualquer análise empírica), determinou a escolha, indicando para o cargo de Ministro das Relações Exteriores o diplomata Ernesto Araújo, para quem as mudanças climáticas seriam um “dogma marxista”. Assim como na educação se abriu mão de um técnico competente por um ideólogo fraco de formação acadêmica, um fundamentalista cristão. É estarrecedor a incompetência e o despreparo da nova equipe, colocando militares em todo canto, como se tivessem formação para exercer qualquer função, o que longe está da verdade e menos ainda do bom senso, que exige pessoas com competências diferentes para as diversas áreas da administração. Era para ser um governo basicamente de técnicos e notáveis, mas está sendo um governo de políticos e militares.

Bolsonaro deve proteger os seus amigos militares, fazendo regalias aos mesmos. Sem falar na revolta que isso provocará na população, que vai entender que os amigos militares – principalmente na aposentadoria – foram poupados e a população sacrificada. E o ministro da Infraestrutura é militar? Não! Apenas se formou no Instituto Militar de Engenharia! E o ministro da Educação é militar? Não! Foi apenas professor do Comando do Exército! E ainda tem seis militares nos ministérios, além do vice-presidente.

Na campanha disse que seria implacável contra a corrupção. É só olhar principalmente na ficha do novo ministro da saúde. Denúncias gravíssimas de desvio dos cofres públicos. É sabido que houve entregas de valores em espécie pelos irmãos Wesley, como finalidade de manutenção de bom relacionamento com políticos, incluindo Onyx e outros mais do congresso, com quem Moro se reúne e comunga ideias; alguém que se dizia paladino da ética, da moral e da lisura, que dizia que não iria para a política, e foi um dos primeiros a assumir um cargo no governo Bolsonaro.

Governo que dá aperto de mãos com Valdemar Costa Neto (notório condenado da lava jato) numa churrascaria realizando um dos gestos de articulação política mais relevante feito pelo futuro ministro até agora. Ele também não deveria ter nomeado ministros com pendências na Justiça, pois na campanha Jair Bolsonaro disse que seria implacável contra a corrupção.

E mais ainda, o futuro ministro da Economia está sendo investigado por supostas fraudes em negócios com fundos de pensão patrocinados por estatais. A PF vai apurar se o economista cometeu os crimes de gestão fraudulenta ou temerária. A ministra de agricultura também está encrencada com a justiça, e é devedora aos demais cidadãos e da praça. Bolsonaro é réu em duas ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF). Os crimes imputados a ele são de incitação ao crime, injúria e apologia ao crime. Sua ex-mulher o acusou de querer matá-la e de roubo dos seus bens. Enfim, qualquer denúncia do MPF contra um ministro de Estado é robusta, e tornaria o mesmo suspeito para exercer qualquer cargo público, pelo menos era o que dizia Bolsonaro dos outros, que não eram amigos ou cúmplices, antes de chegar ao poder.

O novo governo prometeu espremer a administração federal em 15 ministérios. Chegou a 19 nesta quarta e deve bater 21 ou 22 até o fim da semana que vem. A pressão de grupos de interesse e, principalmente, dos parlamentares obrigou o presidente eleito a desenhar puxadinhos no projeto de sua Esplanada ideal. As escolhas feitas pelo presidente eleito nas últimas 24 horas têm um DNA claramente político. Todas as indicações que veem das bancadas temáticas. Por mais que Bolsonaro e seus aliados insistam em inventar um novo modelo de governabilidade, algumas acomodações se mostram inevitáveis, e repete-se a velha prática de ceder às forças políticas e econômicas.

ROBERTO DE BARROS FREIRE é professor do Departamento de Filosofia da UFMT.

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