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Cuiabá, 12 de Outubro de 2024
12 de Outubro de 2024

07 de Julho de 2014, 15h:01 - A | A

OPINIÃO / ROBERTO BOAVENTURA SÁ

A vértebra de Neymar

Nem todos os acidentes de trabalho têm o mesmo peso do lamento

ROBERTO BOAVENTURA SÁ



Em geral, meus artigos são publicados nas quintas-feiras. Este é extra. Motivo: “lesão da terceira vértebra” de Neymar. 

Por conta disso, os brasileiros, em poucos dias, ouviram e ainda ouvirão falar mais da vértebra de Neymar do que já ouviram e ainda ouvirão falar, durante a vida inteira, daquela costela que, biblicamente, foi extraída de Adão, fazendo nascer a senhora Eva. 

Com sua lesão, Neymar deu um baile em Adão, o que ficou sem uma costela. Por tabela, em Eva também. 

A lesão de nosso craque abafou até a dentada no ombro de alguém. Assim, diante da comoção geral, pus-me a pensar sobre o episódio em si e seus tentáculos. 

Resguardadas eventuais divergências, palpitar sobre a cena da vértebra de Neymar não é problema para ninguém. Particularmente, vi a cena – não sem lamentar pelas dores que o atleta sentiu – como um acidente de trabalho. 

Sim. Já faz bem tempo que o futebol deixou de ser entretenimento. Logo, quando assistimos a uma partida de futebol, estamos diante de um conjunto de workers em ação; muitos, aliás, migrants workers. 

O mesmo ocorre quando assistimos a uma peça de teatro, ao um show musical ou circense, a uma telenovela... 

Assim, Neymar Jr e Juan Zúñiga, que não é nenhum criminoso, estavam apenas trabalhando. Ambos a peso de ouro, é verdade. 

Claro que o ouro do brasileiro reluzindo bem mais do que o do colombiano.

E isso é tudo: acidente de trabalho. Como todos, lamentáveis. Mas nem todos os acidentes de trabalho podem e têm o mesmo peso do lamento, da solidariedade ou da dor alheia.

O caso do Neymar nos faz lembrar daqueles momentos desconfortáveis de visitas a acidentados, mas sem nenhum risco de morte. Em geral, as frases feitas são inevitáveis. A mais usual: “Dos males, o menor”. 

E no caso em pauta, fora a Seleção Brasileira, que poderá não “subir mais um degrau”, e usar a ausência desse jogador como desculpas, ninguém morrerá por isso. 

Muito menos Neymar. Aliás, diante de tantos trabalhadores acidentados, ao seu acidente cabe a mesma e desconfortável frase feita: “Dos males, o menor”.

A prova disso vem das palavras do médico da Seleção: “O exame mostrou uma fratura que não é grave, mas que limita os movimentos. 

Ele precisa de uma cinta lombar e infelizmente não vai ter condição de jogar... O tratamento poderá ser de quatro a seis semanas”. 

Detalhe: o jogador voltou a Teresópolis junto com os demais atletas. Já deu entrevistas, já agradeceu a plateia etc etc. 

Vida que segue para Neymar Jr, Neymar pai, Barcelona, Seleção, torcedores, TVs, patrocinadores... Só não segue para os trabalhadores que de fato morreram em obras das arenas para a 

Copa; e sem direito ao mesmo espetáculo produzido pela mídia. 

Por falar nesses anônimos, pergunto: 

Quantos morreram? 

Um? Dois? Sete? Oito? 

Oito; fora os que já morreram e poderão morrer por conta de outras obras mal feitas para a “Copa das Copas”. As vítimas mais recentes estavam embaixo de um viaduto que desabou em 
Belo Horizonte dias atrás. 

Por falar em mortes nas construções dos estádios, estupidamente chamados de arenas, alguém viu, em algum momento da “Copa da Copas”, um minuto de silêncio pelo suor dos trabalhadores mortos? 

Alguma solidariedade com seus familiares? Uma faixa que fosse?

Nada. 

Na abertura, vimos uma sucessão de clichês sobre nosso país. Também vimos o estádio mandando a presidente “tomar no...”, mas nenhuma homenagem aos mortos das arenas. 

A Neymar, as luzes de todos os holofotes. Aos oito mortos, a escuridão de suas covas. 

Triste país de insana alegria!

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo pela USP e professor de Literatura na UFMT.

 

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