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Maria Cláudia Portes, 37 anos, de Belo Horizonte (MG), preparava-se para um dos momentos mais sublimes de sua vida. Na reta final da gestação de Rafael, 1 ano, ela já estava com o enxoval pronto e, apesar de todas as dúvidas comuns para uma mãe de primeira viagem, tinha uma convicção: amamentaria enquanto pudesse. Tinha até comprado uma bomba de extração, pensando em continuar a oferecer seu leite na volta ao trabalho, como veterinária, meses depois. O que ela não sabia era que o incômodo que sentia em um dos seios não estava apenas relacionado à transformação do seu corpo para produzir o alimento para o seu bebê, mas era um sinal de que sua vida tomaria um rumo inesperado em poucos dias. Era o primeiro sinal de um câncer de mama.
Aos 7 meses de gravidez, ela comentou com o obstetra, que a encaminhou para um mastologista. A pedido do médico, fez um ultrassom que não acusou nenhum problema. Tranquila, seguiu a vida, achando que a dor e o inchaço significavam apenas que ela teria bastante leite. Depois da chegada de Rafael, Maria Cláudia poderia, finalmente, amamentá-lo, como sempre quis. Mas a história não foi bem assim. “Eu simplesmente não conseguia. Não tinha prazer. Só sentia dor. Tentei de tudo o que me falaram, massageava o peito, fazia compressa, ordenhava, colocava folha de repolho… Até que, um dia, admiti que tinha me cansado.” Ao fazer um desabafo em um grupo de amigas, ela recebeu um conselho de uma delas para procurar uma consultora de amamentação e tentar uma terapia com laser. “Na consulta, ela percebeu que havia uma alteração nos ductos mamários e que, por isso, o seio direito estava inchado. Fui à mastologista de novo e aí, quando Rafael estava com 28 dias, recebi o diagnóstico: eu tinha câncer de mama”, lembra
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“Essa doença é a causa mais comum de morte relacionada ao câncer e é responsável por 10% de todos os tumores entre as mulheres. Estima-se que meio milhão de pessoas em todo o mundo morra a cada ano por causa disso”, explica a mastologista Ana Beatriz Falcone, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). A doença ocorre quando um grupo de células começa a crescer descontroladamente, o que pode acontecer com o processo natural de envelhecimento, influências externas, como agentes infecciosos, radiação, produtos químicos e outros, ou ainda por fatores congênitos ou genéticos. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), cerca de 60 mil brasileiras são diagnosticadas por ano com câncer de mama.
O impacto da descoberta
“Vou morrer.” Foi a primeira coisa que passou pela cabeça de Maria Cláudia ao ouvir que tinha um tumor. “Eu só lembrava do Rafael e dizia: ‘Doutora, eu acabei de ter um filho, não posso morrer. Ele precisa de mim’”, conta. Ao mesmo tempo, por mais paradoxal que pareça, sentiu certo alívio. “Pelo menos eu sabia o motivo de não conseguir amamentar. Não ia mais sofrer com aquilo. Eu não ia mais amamentar, mas conseguia entender o porquê”, explica. Antes do diagnóstico, ela até conseguia oferecer um pouco de leite ao filho, com o seio esquerdo. “Foi sofrido, mas ainda que não o tenha alimentado tanto nutricionalmente, eu dei amor. Teve olho no olho, vínculo – e foi importante”, analisa.
O câncer de mama associado à gestação é definido pelo aparecimento da doença durante a gravidez ou até um ano após o parto, e é o segundo tipo de tumor maligno mais diagnosticado em grávidas. “Embora seja relativamente incomum, representa 0,4% de todos os diagnósticos de câncer de mama em mulheres entre 16 e 49 anos. O número de casos novos em gestantes vem aumentando, e isso se deve a mudanças socioculturais, como o adiamento da gestação”, explica Ana Beatriz.
Parece ironia, mas a ciência já demonstrou por meio de diferentes estudos que a amamentação protege a mulher do câncer, tanto de mama, quanto de ovário. Um dos mais importantes, publicado no jornal científico The Lancet, comprovou que a cada 12 meses de aleitamento, as chances de um tumor mamário se desenvolver são reduzidas em 4,3%. Maria Cláudia não teve essa chance.
Entre o tumor e Rafael
Tempo para pensar? Não houve muito. “Recebi o resultado dos exames em um domingo e na sexta já comecei a primeira sessão de químio”, explica. Depois disso, minha imunidade baixou muito. Quando Rafael tinha 45 dias, fui internada. Foi o pior momento, porque tive de ficar longe dele”, lembra. Nesse período, por sugestão de amigas, ela passou a escrever sobre seus sentimentos, com a intenção de entregar para o filho ler quando for mais velho. Assim nasceu a página Cartas para Rafael, que ela mantém nas redes sociais.
Rafael tem pouca idade para entender o que está acontecendo com a mãe. No entanto, possui um papel fundamental na luta contra a doença. “Ele me deu e me dá forças até hoje”, diz. “Cada dia estou com um lenço colorido diferente e ele acha lindo, fica olhando. Quando eu coloco a ‘Joana’, como chamamos a peruca, ele acha maravilhoso, ri”, diverte-se. O desenvolvimento dele caminha em paralelo com o tratamento dela. “Antes, era um bebê, que não interagia tanto. Agora, quando chego da químio, às vezes cansada e sonolenta, ele aparece na porta, bate palmas, dá aqueles gritinhos, não dá para ficar triste”, explica.
A vontade que Maria Cláudia tem de conversar com o filho, quando for mais velho, vai além das cartas. “Quero, um dia, explicar para ele que o câncer foi um presente. Ouvi essa frase antes e não entendia, mas, agora, faz sentido. Se não fosse isso, não teria passado tanto tempo perto dele nesse começo da vida. Se formos colocar na balança, tem coisas boas também. É claro que ninguém quer ter câncer. Eu não queria. Mas é preciso enxergar por outros ângulos”, avalia.