SEBASTIÃO CARLOS GOMES
Afinal, o Carnaval carioca é hoje um dos maiores espetáculos do planeta, visto em todo o Brasil e em dezenas de países. A escola contratada, uma das mais tradicionais, várias vezes campeã, uma torcida imensa.
Enfim, uma excelente vitrine para divulgar a capital de Mato Grosso e, com isso, atrair turistas. Em outras palavras, fazer circular por aqui reais e dólares. Bom negócio, bom investimento, portanto.
Ledo engano. Uma visão minimamente crítica vai perceber que se caiu num engodo. É que o produto contratado não foi entregue.
Na análise do desfile carnavalesco, vários elementos devem ser levados em conta. Fiquemos apenas naqueles que mais diretamente nos interessam. O samba-enredo é o que, aqui, nos interessa. É nele que está o cerne que orienta as fantasias, as alegorias, enfim, ele torna-se a alma do desfile de cada escola.
Foi pelo samba enredo que Cuiabá pagou a bagatela de perto de quatro milhões de reais. Valeu a pena?
A música é sofrível e a letra pífia e desconexa. Uma única vez é dita a palavra Cuiabá, além da referência ao nome histórico de Vila Real. O resto é um emaranhado de distorções e de erros crassos de conhecimento da nossa história.
Por exemplo: “Meu samba é madeira, é jequitibá” é forçar a barra para rimar com Cuiabá. Quando fala no trem, os desavisados logo fizeram uma ligação com o tão esperado veículo. Na realidade a referência era ao trem da estação primeira de Mangueira: “Mangueira...O trem da emoção.”
A grande verdade é que há, nesse samba, mais referências à própria Escola que à sua patrocinadora. Convenhamos, Cuiabá pagou para que a Mangueira falasse sobre ela própria. O que não está impedindo a briga interna que se desenrola nos quintais mangueirenses porque o homenageado este ano deveria ser, segundo influentes dirigentes, o grande Jamelão, que completa um século de vida. Esse samba fraquérrimo por certo refletiu na montagem das fantasias.
Aquele bloco de “noivas fantasmas” foi ridículo. “Mistérios e lendas de assombração” não é marca de Cuiabá. Essa estória existe em qualquer cidade. Aliás, esse samba-enredo, um amontoado de platitudes, de rimas medíocres, tirando três ou quatro palavras, pode muito servir para qualquer cidade do Brasil.
Os que o escreveram não leram o que importa sobre Cuiabá, não conhecem Cuiabá. Como escrever algo sobre Cuiabá e sua gente sem ler Cavalcanti Proença, Virgilio Correa Filho, José de Mesquita, Dunga Rodrigues, Silva Freire só para citar alguns poucos de nossos mais legítimos interpretes.
Falharam, a escola e, sobretudo, a Prefeitura de Cuiabá, até sob o ponto mais elementar do marketing publicitário.
Deveriam ter tido um mínimo de perspicácia e, com o objetivo de chamar a atenção, convidar para estarem no carro alegórico principal alguns nomes de Mato Grosso conhecidos no show business.
Como não ter convidado a Totia Meireles, o Octaviano Costa, o Ataídes Arcoverde, e daqui mesmo, um Pescuma, um João Elói, um Roberto Lucialdo, a bela Ana Rafaela (do The Voice), para também só ficar em alguns nomes, sabendo que estou involuntariamente cometendo injustiça com vários outros.
Cuiabá merecia coisa melhor. Independentemente de a Mangueira ganhar ou não. O que se discute aqui é que o custo-benefício não compensou. E ainda não estou falando de outros elementos administrativos e políticos que precisam ser vistos, sobretudo por algumas autoridades judiciárias e políticas.
Cuiabá pagou caro por um produto que não foi entregue. Tratou-se claramente de um marketing negativo.
“Dai-me inspiração, oh Pai!” invoca o letrista logo no início. Mas, lamentavelmente, foi exatamente isto – brilho, inspiração - que faltou, do principio ao fim. Não, caro leitor, não houve erro de digitação no título deste artigo. Eu preferiria ter escrito “o canto da Avenida”, mas Cuiabá caiu mesmo foi no “conto da Avenida”. Mais um. Ficará por isso mesmo? Ninguém será responsabilizado?
SEBASTIÃO CARLOS GOMES DE CARVALHO é professor em Cuiabá. Autor de “Cuiabá: Corpo e Alma”, antologia em dois volumes.