Foi realizada a VII Conferência Internacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, na cidade de Fortaleza – Ceará, entre os dias 22 e 25 de maio de 2018, debatendo sobre a atual conjuntura dos Direitos Humanos no Brasil tendo como tema: “Retrocessos”.
A Carta final lista 43 proposições para entender, melhorar e qualificar a abordagem de Direitos Humanos no país; tema de grande controvérsia, muito mais fruto do desconhecimento do assunto. Falar em “direitos humanos” para muitas pessoas tem o significado de falar/defender “direito de bandido”.
Há uma grande incompreensão do assunto. O Brasil é signatário de vários Acordos Internacionais nessa área: Pacto contra a tortura e tratamento degradante de presos; Tribunal Penal Internacional, Declaração de Direitos Humanos da ONU e da OEA, é membro da Corte Interamericana de Direitos Humanos etc.
A conferência buscou discutir e sugerir a adoção, não somente pelas OAB´s estaduais, mas pelas demais entidades, autoridades, movimentos sociais, área de segurança pública e público em geral, de Conceitos e princípios, que são idéias elaboradas, organizadas e desenvolvidas a respeito de um assunto e exigem análise, reflexão e síntese, traduzidas em políticas públicas e, ainda, eliminar os preconceitos correntes, respaldando-se, assim, por meio da consagração constitucional dos direitos fundamentais, caracterizando uma visão constitucionalista de tais direitos; é que acontece com o nosso art. 5º da Constituição Federal de 1988.
Assim, “direitos humanos” podem ser aproximadamente entendidos como constituídos pelas posições subjetivas e pelas instituições culturais e jurídicas que, em cada momento histórico, procuram garantir os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade ou da solidariedade: ir e vir, direito à vida, à imagem, ao silencio, etc.
Ou seja, um conjunto de faculdades que são reconhecidas a todos- homem e mulher que, em cada momento histórico, buscam concretizar as exigências da dignidade da pessoa humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente em todos os níveis.
Dentre as propostas aprovadas, destacamos as principais, que, a primeira vista, parecem corriqueiras, mas que, na prática, não são implementadas no Brasil, mesmo em pleno século XXI: 1- Denunciar a existência de despejos forçados, sem ordem judicial e em inobservância às normas internas e internacionais consistindo em remoções ilegais de comunidades e ocupações; 2-Incentivar a promoção de política públicas que garantam a inserção social de crianças e adolescentes fomentando o sentimento de pertencimento ao local de residência e minimizando sua estigmatização quando em situação de vulnerabilidade social; 3- Defender e adotar ações práticas para que seja garantido de forma livre o direito de livre manifestação do pensamento; 4- Incentivar a criação de coordenadorias de promoção da liberdade religiosa nos Estados e Municípios; 5- Defender e Fiscalizar que as delegacias registrem de forma correta as ocorrências de discriminação ou preconceito relativos à religião; 6- Denunciar o racismo estrutural no Brasil e a seletividade do sistema penal brasileiro; 7- Apoiar políticas públicas de humanização do cárcere como melhorias nas condições das unidades, cursos profissionalizantes, a inserção profissional dos egressos e o respeito a identidade religiosa; etc.
Alguém tem dúvida se esses pontos, em geral, não são cumpridos? Desde o estabelecimento das Nações Unidas, em 1945 – em meio ao forte lembrete sobre a barbárie da Segunda Guerra Mundial – um de seus objetivos fundamentais tem sido promover e encorajar o respeito aos direitos humanos para todos, conforme estipulado na Carta das Nações Unidas: "Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, (…) A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações…” Direitos Humanos- bem como, a responsabilização por nossos atos e deveres, devem ser por todos respeitados, independente da classe social, escolaridade ou situação econômica ou política.
Um país de segmentos privilegiados é uma nação injusta, nada “republicana”- (para usar uma palavra da moda). Nos setores apontados, a situação brasileira é crítica e caótica, com total desrespeito à pessoas, grupos e segmentos sociais: quilombolas, negros, pobres, favelados, indígenas, presos pobres, ação policial seletiva visando negros e pobres- 2/3 dos presos, de 15 a 29 anos, são negros e semi-analfabetos. O Brasil sempre optou, ao longo de sua história, por privilegiar classes, que se tornaram os “donos do poder” na feliz interpretação de Raimundo Faoro, no livro do mesmo título. É, sem dúvida, uma Política de Estado, que se prolonga respaldada na ignorância do povo, que vive de esmolas oficiais- bolsa família, por exemplo. Como afirma Maria Victória Benevides- estudiosa do tema, “ Educação em Direitos Humanos parte de três pontos essenciais: primeiro, é uma educação de natureza permanente, continuada e global.
Segundo, é uma educação necessariamente voltada para a mudança, e terceiro, é uma inculcação de valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, meramente transmissora de conhecimentos. Acrescente-se, ainda, e não menos importante, que ou esta educação é compartilhada por aqueles que estão envolvidos no processo educacional – os educadores e os educandos - ou ela não será educação e muito menos educação em direitos humanos. Tais pontos são premissas: a educação continuada, a educação para a mudança e a educação compreensiva, no sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção”. Direitos humanos e cidadania andam juntos. Assim a educação formal na escola, desde a primária(de base ou até pré-escolar) até a universidade e principalmente no sistema público do ensino, resultará mais viável se contar com o apoio dos órgãos oficiais, tanto ligados diretamente à educação como ligados à cultura, à justiça e defesa da cidadania.
É preciso aprofundar as noções de democracia, federalismo, sociedade civil etc., se quisermos pensar um Brasil menos desigual e injusto. Assim, o Golpe de 64, por exemplo, foi uma expressão do continuísmo, da não-mudança, orquestrado pelas elites brasileiras. Desde Aristóteles na antiga Grécia, aprendemos que o homem não sobrevive a não ser em relação com outros homens, portanto a dicotomia indivíduo x grupo é falsa. “Também enquanto indivíduo, portanto, é o homem um ser genérico, já que é produto e expressão de suas relações sociais, herdeiro e preservador do desenvolvimento humano; mas o representante do humano não é jamais um homem sozinho, mas sempre a integração(tribo, demos, estamento, classe, nação, humanidade) bem como, frequentemente, várias integrações – cuja parte consciente é o homem e na qual se forma sua “consciência de nós”. (HELLER- filosofo). Direitos Humanos, por fim, é parte essencial dessa discussão.
AUREMÁRCIO CARVALHO é advogado e ex-ouvidor geral de Polícia de Mato Grosso