JOSÉ ANTONIO LEMOS
As vitórias do Mixto, Cuiabá e Luverdense avançando juntos no Campeonato Brasileiro fizeram do domingo passado uma data memorável para o futebol mato-grossense. Tive o privilégio de estar no Dutrinha acompanhando a histórica rodada.
Mas antes, na sexta-feira, aconteceu no Palácio Paiaguás o I Fórum sobre o uso das águas de Manso para irrigação na Baixada Cuiabana.
Enfim, uma importante iniciativa no até agora subutilizado empreendimento de Manso que precisa ser retomado com o aproveitamento de todas as finalidades para quais foi projetado. Uma dessas é justamente a irrigação de cerca de 50 mil hectares no Vale do Cuiabá.
Integrei a Comissão Técnica do antigo Minter, criada pela Lei da divisão de Mato Grosso para propor programas de desenvolvimento de apoio federal aos dois estados. Lá participei de algumas decisões técnicas importantes, tal como a transformação de Manso de um “açudão” de contenção de cheias que era originalmente, em um projeto de aproveitamento múltiplo de barragem pioneiro no Brasil.
Será que alguém ainda se lembra do que significam as três letras A, P e M que antecedem a denominação da barragem de Manso? Alguns sim, mas a maioria jamais soube o significado, em especial os mais jovens. Por eles é oportuno lembrar, pois o tempo passa e a história vai sendo esquecida.
Manso surgiu da trágica cheia de 1974 do rio Cuiabá, que em 17 de março atingiu 10,87m e uma vazão de 3.075 m³/s, destruindo os bairros do Terceiro, Ana Poupino e Barcelos, os mais populosos de Cuiabá na época. Foi o primeiro grande problema do governo Ernesto Geisel, empossado dois dias antes, que de imediato enviou seu ministro do Interior, Rangel Reis, para conhecer a situação e tomar providências.
O ministro determinou a demolição do que restou dos bairros e a construção de conjuntos habitacionais para a população flagelada. E mais, determinou a realização de estudos de soluções que impedissem novas inundações daquelas dimensões em Cuiabá.
Daí surge Manso como um equipamento de proteção urbana com objetivo específico de reduzir as cotas das cheias. Em 15 de janeiro 2002, logo após sua inauguração, Manso protegeu a cidade de uma vazão de 3.250 m³/s, superior a de 74. Ainda que só por seu sentido de proteção urbana, Manso seria um dos mais importantes equipamentos da Grande Cuiabá.
Depois, já em 1978, os estudos motivados pela lei da divisão tiveram que buscar solução para a questão energética, identificado na época como o principal problema do estado. Havia o projeto da Usina do Funil, também no rio Cuiabá, mas faltava dinheiro.
A Eletronorte estava empolgada com Tucuruí e não se interessava por outra coisa. Assim, a solução exigia criatividade e daí surge a ideia de energizar Manso, cujas obras iniciariam naquele ano. Foi assim suspenso o início da barragem e determinada a revisão geral do projeto, adotando a filosofia do uso múltiplo, então inédito no país.
Manso seria também geradora de energia e a ideia da proteção urbana foi ampliada para a de regularização de vazão do rio, garantindo ao rio também uma cota mínima nas secas, com previsão de abastecimento de água para Cuiabá, Várzea Grande e cidades próximas, bem como de irrigar 50 mil hectares no vale do Cuiabá.
E mais, seu lago poderia receber projetos em piscicultura, turismo e lazer. APM Manso significa “Aproveitamento Múltiplo de Manso”, uma filosofia otimizadora de barragens usada no mundo inteiro, mas que em Manso tem até hoje seu uso restrito à geração de energia e à regulagem de vazão.
A discussão do projeto de irrigação da Baixada Cuiabana pode ser um sinal do fim do desperdício burro desse imenso potencial a 100 metros acima de nossas cabeças.
Quem sabe trará junto, por gravidade, a água potável para a cidade?
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS é arquiteto, urbanista e professor universitário em Cuiabá.