DA REDAÇÃO
O município de Sorriso (420 km ao Norte de Cuiabá) e a Cooperativa de Trabalho dos Prestadores de Serviço, responsável pela coleta de lixo na cidade, foram condenados a indenizar a família de um gari haitiano, Jacques Germinal, de 43 anos, que morreu atropelado pelo caminhão em que trabalhava. Eles terão que pagar pensão mensal para sustento da esposa e dos cinco filhos do casal, desde o óbito até a data em que ele completaria 76 anos. Também deverão arcar com a compensação pelo dano moral, fixada em R$ 300 mil.
A sentença é do juiz Diego Cemin, que concluiu que ambas as partes têm responsabilidades porque a vítima sofreu acidente de trabalho “ao prestar serviços em condições inseguras na limpeza urbana na condição de associado da primeira ré, em favor do segundo réu e em atividade fim do Município de Sorriso”. A decisão é do 7 de outubro.
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O acidente aconteceu no dia 23 de maio de 2018, após Jacques Germinal se desequilibrar do estribo e cair, sendo atingido pelo veículo que manobrava em marcha a ré. Ele chegou a ser socorrido pelo Corpo de Bombeiros e levado ao Hospital Regional de Sorriso, mas faleceu dois dias depois.
A cooperativa afirmou à justiça que o caso foi “fortuito”, que o gari usava equipamentos de segurança, que dias antes havia participado de dois cursos sobre segurança do trabalho e uso de EPIs, que no momento da queda um colega chegou a gritar para avisar o motorista, que não ouviu porque cachorros começaram a latir. E que a relação com o trabalhador era sócio cooperativado – ele tinha parcela de responsabilidade na condução das atividades, e que, para todos os fins, deveria ser considerado como autônomo.
Já o município atribuiu a culpa pelo acidente exclusivamente ao gari e que é indevida qualquer indenização pelo fato do gari ter assumido o risco ao optar por fazer o serviço de separação de material reciclável. A atividade o levava a ficar todo o tempo no estribo do veículo, o que teria colaborado para a queda.
Tanto a cooperativa quanto o município alegaram que deveriam ser levados em consideração outros elementos ao se analisar o acidente, como os sinais de cansaço que o gari vinha apresentando por fazer dupla jornada, já que trabalhava durante o dia como jardineiro em uma floricultura, e que tomava remédio para pressão alta.
Decisão
A perícia concluiu não haver elementos para atestar que a dupla jornada ou questões relacionadas à saúde da vítima, como uma hipertensão, contribuíram para o desfecho do caso. E testemunhos e demais provas do processo revelaram que as condições do caminhão, bem como a forma que o trabalho era desenvolvido, foram decisivas para a ocorrência do acidente.
Ficou comprovado que o veículo tinha problemas no estribo, que estava amassado e ficava sempre sujo de óleo devido ao vazamento de uma mangueira. Além disso, o próprio motorista relatou que a maneira como a coleta era realizada foi modificada após o episódio com o gari haitiano: os veículos agora entram de frente e retornam de ré nas ruas sem saída, evitando as manobras, e os garis ficam nesses momentos a cerca de 10 metros do caminhão, auxiliando na sinalização.
O juiz lembrou ainda que mesmo que não houvesse vínculo de emprego entre o trabalhador e a cooperativa isso não exime a entidade de assumir os ônus da exploração da atividade, sobretudo em relação às regras de segurança e, especialmente, quando ficou comprovada a omissão na fiscalização das normas de segurança no trabalho.
Em relação ao município, o juiz disse que é dever do Poder Público zelar por um ambiente de trabalho seguro para todos os trabalhadores que prestam serviços em seu benefício, seja a que título for - terceirizado, autônomo, cooperado, estagiário etc. E, ao delegar à cooperativa um serviço que lhe compete e que poderia realizar diretamente, assumiu o risco conjuntamente.
O magistrado pontuou, ainda, que o acidente foi causado por um caminhão coletor, pertencente ao município e dirigido por seu motorista.
Indenizações
A decisão fixou a pensão em 2/3 da remuneração do trabalhador, levando em consideração presumir-se que 1/3 do salário era utilizado para seu próprio sustento. Porém, o valor deve ser calculado sobre os ganhos que a vítima obtinha com os dois empregos, determinação que tem como base o princípio da restituição integral, que prevê que a reparação de uma perda deve ser a mais ampla possível, abrangendo todos os danos causados.
A compensação pelo dano moral, de R$ 300 mil, assim como a pensão, deverá ser dividido em partes iguais para cada membro da família, devendo ser depositado em nome de seus beneficiários e, no caso dos filhos menores, utilizado somente quando eles forem maiores de idade.
O juiz determinou ainda a quitação do saldo de salário do gari, obrigação não cumprida até a publicação da sentença, e condenou a cooperativa e o município a pagarem os honorários sucumbenciais ao advogado da família no percentual de 10% do crédito bruto da sentença.