ONOFRE RIBEIRO
De novo penso que esse terceiro sábado que antecede as eleições de 2014 mereça um pouco de calma e de poesia.
O ar está cheio de farpas e de relâmpagos da política. Ainda que ela seja necessária, outros escreverão sobre o tema no dia de hoje. Vou passear na poesia.
Volto lá na Minas da minha infância e me deparo com dois pés de ipê roxo que um dia, aos 14 anos, me fizeram ver essa poderosa solidão humana que começou ali, como um despertar que nunca mais deixaria a minha vida. Minha família tinha uma propriedade de café, numa região muito montanhosa.
Era julho, férias escolares. O trabalho era familiar, de colheita do café. Almoçamos debaixo de dois enormes pés de ipê roxos floridos. Todos desceram para a tarefa e fiquei ali sentado. Duas coisas mexiam comigo.
Acabara de ler o livro “Inocência”, de Alfredo Taunay. Um romance passado no sertão do sul do Mato Grosso de 1872. Solidão, solidão e solidão numa triste estória de amor. Naquela idade estava muito impactado pelas dores da frágil Inocência que morre de amores no final.
Sentado debaixo dos dois ipês naquele verão mineiro, olhava o rio abaixo e a várzea do lado de lá e o morro em frente, por descia um lento carro de bois.
Naquela paisagem solitária a cantiga do carro trazia um ar pesado de mais solidão. Não posso me esquecer do grito do carreiro com os seus bois.
É um monólogo cantado que se soma ao ranger do eixo no atrito do rodar e compõe uma sinfonia rústica inesquecível.
Fiquei sentado e vendo o carro fazer a lenta manobra e a engenharia daquele carreiro rústico no meio da roça de milho. Encher os balaios de bambu e jogar dentro do carro.
Depois a volta, a subida no morro, lenta e poeirenta. Mais gritos do carreiro e a cantiga mais apertada. Carro pesado, cantiga mais grave.
Por fim, o carro sobe o morre, desaparece na outra vertente, e some. Do lado de cá, sentado debaixo dos dois ipês naquela solidão mergulho na minha própria solidão e coloco dentro dela a Inocência de Taunay.
Nunca mais deixei de lembrar-me daquelas cenas, dos sons, do carro de bois, da cantiga e da solidão. E dos ipês roxos. Olhei no mapa do Google, e eles ainda estão lá...
Penso que ali nascia essa convivência com esse sentimento solitário de alguma coisa que a gente vai cultivando e deixando vida afora e nos persegue continuamente...!
ONOFRE RIBEIRO é jornalista em Mato Grosso.
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