RENATO DE PAIVA PEREIRA
As Sereias que conhecemos hoje ( mulher com cauda de peixe) não tem nada a ver com as originais conforme narra Homero em a Odisseia. Aquelas eram grandes aves com cabeça de mulher, habitantes de uma ilha isolada entre a Sicília e a Itália, que se alimentavam da carne dos navegantes que seduziam.
Nenhum marinheiro conseguia resistir aos encantos desses seres fantásticos. Enfeitiçados pelo canto maravilhoso e promessas irrecusáveis, abandonavam o leme e os remos indo à pique nos rochedos da ilha, onde eram devorados.
Só o barco dos Argonautas navegou pela região sem danos, porque o poeta Orfeu com sua Lira divina superou a música e a voz das poderosas Sereias.
O mitológico Ulisses, de volta da guerra de Troia, passando pela ilha habitada por esses seres macabros resolveu ouvir o seu canto. Mas antes, ciente do perigo que corria, colocou cera de abelha no ouvido dos marinheiros para que não ouvissem o canto e mandou que eles o atassem ao mastro central do navio, com a ordem expressa de não afrouxarem as cordas até que a ilha sumisse da vista.
Desesperado para entregar-se à atração fatal das Sereias , debateu-se furiosamente para se soltar das cordas, mas suas ordens foram cumpridas com exatidão: quando mais debatia mais os marinheiros apertavam as amarras.
Assim graças a esse cuidado ele ouviu o canto das Sereias, mas não foi destruído por elas. Orfeu as enfrentou com a música, mas isso é para poucos, tocar como ele é um dom divino. Ulisses, que era apenas um guerreiro, livrou-se pela cautela.
Sereias reais com enorme poder de sedução substituíram as mitológicas. As modernas desenvolveram uma atração ainda mais irresistível que suas antepassadas: agora acenam com joias, passeios, hotéis de luxo e dinheiro vivo roubados dos donos do navio. Não querem mais destruir os marinheiros e sim preservá-los para juntos saquearem o navio.
O estrago causado pela simbiose Sereias/Marinheiros ( políticos/empreiteiras) foi gigantesco, mas o barco ainda resiste. Graças à justiça estamos conhecendo os corruptos e os corruptores.
Alguns acham que deveríamos joga-los ao mar, mas são tantos que não sobrariam homens experientes pra tocar o navio. Como há culpas maiores e menores entre os marinheiros, acho que deveríamos desembarcar no porto de Curitiba os mais nefastos, preservando os de menor culpa para continuar a viagem.
Os que usaram caixa dois para se elegerem sem colocar no bolso o dinheiro arrecadado ou enriquecer os financiadores, somente replicaram um procedimento historicamente incrustado na política do país e poderiam ser perdoados.
Já os que se lambuzaram no dinheiro sujo e depois abriram o cofre do estado para os bandidos cometeram um crime maior e precisam pagar por ele.
Assim, os próximos parlamentares e governantes, sabendo que não têm, como Orfeu, o dom divino para suplantar o canto das Sereias, por certo usarão a cautela, seguindo o exemplo de Ulisses.
Cientes da debilidade do ser humano, que nunca está totalmente vacinado contra as tentações e temerosos da punição, criarão uma “cera legal” (leis, controles, práticas de compliance) que os distanciem do maravilhoso canto que desperta a vaidade e aguça a ganância.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor