LUIZ HENRIQUE LIMA
Sabemos que não é assim. Os indivíduos que logram aprovação em concurso público estão sujeitos às mesmas circunstâncias e tentações de todos com quem convivem em determinado ambiente e muitos a elas sucumbem.
No país há diversos exemplos de autoridades e servidores concursados envolvidos em corrupção, sejam juízes, promotores, defensores, médicos ou fiscais de tributos, como visto no recente escândalo da máfia do ISS da prefeitura paulistana.
A corrupção e as pequenas fraudes, como forjar atestados de doença para justificar ausências, são fenômenos de nossa sociedade e não há nenhuma casta de vestais que possa se proclamar totalmente imune aos seus efeitos.
Ainda assim, o concurso público é o método mais democrático para assegurar a prevalência de três importantes princípios constitucionais da administração pública: a publicidade, a impessoalidade e a eficiência.
A publicidade, porque o edital do concurso torna pública a existência de vagas para cargos governamentais, o interesse da administração em preenchê-las, bem como os requisitos e condições para habilitação dos candidatos.
Sem concurso público, tais informações tornam-se sigilosas e seu conhecimento é reservado aos círculos mais próximos da intimidade dos poderosos, que rapidamente se articulam para ocupá-las.
Trava-se com a sociedade um jogo de dissimulação, buscando restringir a competição por meio da opacidade.
A impessoalidade, porque o concurso é aberto a todos os cidadãos que satisfaçam as exigências de escolaridade, formação, experiência e desempenho previstas no edital de seleção e de acordo com as características de cada cargo.
O critério de aprovação não é mais a parentela ilustre ou as indicações arbitrárias ao talante de humores dos mandatários de plantão, que tantas vezes mimetizam o venenoso espetáculo de lisonjas e intrigas que assinalava nas cortes medievais quem se tornava favorito e quem caía em desgraça.
Passa a ser, simplesmente, o resultado alcançado nas diversas etapas do processo, como provas objetivas, discursivas, orais e de títulos.
A realização de concursos para carreiras de estado tem, progressivamente, derrubado barreiras de gênero e origem geográfica, étnica e social, contribuindo para o fortalecimento das instituições republicanas.
E a eficiência, porque os concursados não devem vassalagem a este ou aquele responsável por sua indicação, mas possuem compromisso apenas com a sociedade para a qual trabalham e que é quem lhes remunera.
Ademais, os concursos tendem a selecionar os mais aptos e preparados para o desempenho das funções estatais, favorecendo a obtenção de melhores resultados na execução de políticas públicas.
A estabilidade no serviço público, vista por alguns como um problema que engessa a liberdade do gestor, na realidade é uma proteção ao concursado diante de eventuais perseguições e uma garantia para o exercício com independência de seus misteres.
Tudo isso faz com que seja muito importante aprimorar o processo de realização de concursos públicos em nosso país.
É necessário assegurar que eles sejam realmente públicos e organizados por instituições idôneas e que, por exemplo, as provas seletivas sejam bem elaboradas, coerentes e pertinentes com o rol de atribuições dos cargos a que se destinam.
Malgrado algumas iniciativas, o Brasil ainda não dispõe de uma lei geral de concursos públicos, que seria bem-vinda para regular certos abusos e falhas.
Também é indispensável a redução dos cargos em comissão e das contratações temporárias.
Em suma, concursados não são santos, mas a via do concurso público é o caminho seguro e necessário para o aprimoramento da gestão pública brasileira.
Luiz Henrique Lima é conselheiro-substituto do TCE-MT.