ADEMAR ADAMS
Sem que eu tenha programado, quis o destino que eu estivesse em Cartagena das Índias na Colômbia no dia da assinatura do acordo de paz entre o governo do presidente Juan Manuel Santos e o líder das Farc – EP, Rodrigo Londoño Echeverri, o Timotchenko.
Foi uma festa marcante o ato realizado no centro de convenções na “cidade amuralhada”, antiga proteção de Cartagena, Capital do departamento de Bolívar, que hoje tem mais de um milhão de habitantes. Até o susto que todos levamos com o sobrevoo dos caças da Força Aérea Colombiana ao final do ato, deu uma emoção a mais à assinatura do acordo que iria dar fim a meio século de violência de parte a parte.
As Farc mostraram que é necessário mudar de atitude com a evolução dos tempos, já a direita latino-americana não muda, pois teme perder os privilégios. Lá na Colômbia a direita raivosa é comandada pelo ex-presidente Álvaro Uribe. E foi ele e seus asseclas que instigaram o povo a votar não.
Como prova dessa mudança de atitude das Farc, relembro que em 2001 participei em Porto Alegre, durante o 1º Fórum Social Mundial, de uma entrevista clandestina (o Fórum não aceitava a participação oficial de grupo armado) com um guerrilheiro das Farc. Ele usava o nome de Javier Cinfuentes e estava lá para dar visibilidade ao grupo revolucionário.
Na época havia saído na imprensa a informação de que as Farc se tornariam um partido político e para passariam a disputar o poder pelo voto. Então uma das perguntas que fiz ao guerrilheiro, foi sobre esse boato. Em sua resposta ele negou a informação mais ou menos nestes termos: “Somos marxista-leninistas revolucionários e não vamos entrar nesse jogo eleitoral da burguesia”.
Passados 15 anos as Farc decidiram abandonar as armas e entrar no “jogo político da burguesia”. Vejo essa decisão como um avanço, um reconhecimento de que não existe na atualidade nenhuma chance de uma revolução tomar o poder e implantar com sucesso um governo comunista. Todas as experiências anteriores fracassaram. Entendo que a revolução deve começar com uma mudança profunda das pessoas, para depois mudar a sociedade e disto estamos muito longe.
Sei que existem muitos estudiosos marxistas que ainda estão convictos de que a revolução é possível e vão me destratar.
Sem uma base filosófica mais profunda, eu me baseio nas experiências fracassadas para formar a minha convicção. Talvez a morte precoce de Lenin, permitindo a ascensão de Stalin com sua mão de ferro e mente assassina, tenha sido a causa do fracasso na União Soviética.
Se Trotsky pudesse ter levado adiante o seu pensamento de prosseguimento da revolução para outros países, e quem sabe se picareta do ditador não lhe tivesse ceifado a vida…
A leitura da realidade feita por Timotchenko e seus companheiros é pertinente com o momento que vive a América Latina, com a notória guinada à direita por que passa a região. O golpe no Brasil, a vitória de Macri na Argentina e a crise na Venezuela são sinais fortes de que a gangorra coloca hoje a direita no comando dos principais países e quer queira ou não, a pressão contra movimentos esquerdistas vai se intensificar. E a massa está contaminada com a pregação sistemática da grande mídia contra a esquerda e os movimentos sociais.
Não podemos esquecer que ainda somos colônia dos impérios capitalistas e nem mesmo o avanço do poder chinês coloca um contrapeso para dar algum equilíbrio nessa correlação de forças políticas, pois a força do gigante asiático está no jogo capitalista da sua economia de molde escravagista.
Plebiscito e Prêmio Nobel
Nos dias corridos entre a assinatura do acordo e o plebiscito não era muito visível a campanha do “Não”. Alguns veículos circulavam com cartazes contra o acordo, mas eram poucos. Na mídia se notava uma campanha em favor da paz proposta. Parecia que “Sim” venceria por larga margem. Algumas pessoas com as quais falei eram todas favoráveis ao acordo.
Mas a campanha dos contrários correu como um rastilho de pólvora. Urdida quase em silêncio, contou com a fé desmedida do presidente Santos que avaliou no olho a situação e não mandou pesquisar a realidade, para agir mais fortemente em favor de sua proposta. Subavaliou o poder da direita e do narcotráfico. Ocorre que o ex-presidente Uribe perderia o seu discurso raivoso na próxima eleição se a paz fosse consolidada. Veria seu antigo aliado com força para escolher o sucessor.
Os 55 mil votos a mais que o “Não” teve, foi uma diferença pequena, mas não referendou a proposta de paz. E a grande maioria dos votos contrários veio das cidades e regiões onde a guerrilha não causa efeito. Para se ter uma ideia, só na cidade de Tolima, a diferença em favor do “No” foi de mais de 70 mil votos. Já nas regiões onde ocorre a ação das Farc, a margem em favor do “Sim” foi muito grande.
A inesperada vitória do “Não” deixou todos aturdidos. Mesmo líderes contra o acordo, correram às tevês falar que eram a favor da paz e da continuação das negociações, só não aceitavam o acordo “do jeito que tinha sido feito”.
Mas a posterior escolha do presidente Santos como prêmio Nobel da Paz, deu um tranco na direita e um alento ao pacifista colombiano. Vamos aguardar os próximos capítulos.
Ademar Adams é jornalista em Cuiabá, Mato Grosso