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Cuiabá, 28 de Maio de 2025
28 de Maio de 2025

27 de Maio de 2025, 14h:04 - A | A

OPINIÃO / BIANCA BOSCOLI

A empresa como sintoma

BIANCA BOSCOLI



Tal como os sonhos, os lapsos e os sintomas, as empresas também falam. Não por meio de palavras, mas por comportamentos repetidos, padrões de adoecimento, crises que se renovam, demissões silenciosas ou urgências que nunca cessam. Quando observadas com um olhar clínico, as organizações revelam muito mais do que seus números e metas: elas expõem seus impasses psíquicos, seus conflitos não ditos, sua estrutura de desejo.

A NR-1, norma que trata do gerenciamento de riscos ocupacionais, estabelece que o ambiente de trabalho deve garantir segurança e saúde aos trabalhadores. Mas como se garante saúde em um espaço que não reconhece seu próprio sofrimento? O sintoma organizacional não se mede apenas por acidentes ou doenças catalogadas; ele se manifesta em relações tensas, em lideranças sobrecarregadas, em equipes exaustas e em metas que ferem o possível. A empresa adoece, assim como adoece um corpo que não se escuta.

Mas talvez o que mais surpreenda é perceber que, nesse tecido simbólico da organização, tanto o fundador quanto os funcionários estão aprisionados em um mesmo enredo inconsciente. O empresário, muitas vezes, também sofre em silêncio. Preso à ideia de que deve dar conta de tudo, que precisa manter todos motivados, que nunca pode parar, nem para gozar o sucesso. Muitos não conseguem tirar férias, desfrutar do lucro, ou até delegar. Tornam-se escravos de um ideal de força e perfeição, como se relaxar fosse trair a própria empresa.

Ao mesmo tempo, os colaboradores projetam sobre esse líder uma expectativa de absoluto. Esperam que ele seja justo, disponível, empático, presente e eficiente. A empresa vira uma espécie de cenário edípico onde todos aguardam que o “pai” organize o caos. E quando isso não acontece, porque não há como acontecer, surgem as frustrações, os ressentimentos, a repetição dos sintomas: rotatividade, adoecimento, boicotes, silêncio.

Mas há uma saída. Escutar a empresa é mais do que ouvir demandas pontuais ou aplicar questionários de satisfação. É permitir que o inconsciente da organização se diga. É criar um espaço onde tanto o fundador quanto os trabalhadores possam reconhecer os afetos que atravessam o cotidiano: as culpas, os medos, os desejos, os limites. Uma escuta que não moraliza, mas simboliza.

Ao tratar a empresa como sintoma, desloca-se o foco da culpabilização para a análise. O sofrimento deixa de ser um problema de um ou outro, e passa a ser compreendido como parte da dinâmica da estrutura. A cultura organizacional está frequentemente atravessada por mandatos inconscientes: “produza sempre”, “não falhe nunca”, “não descanse”, “não diga que está difícil”. Mandatos que adoecem a todos, sem distinção de cargo.

Escutar a empresa, então, é fazer um movimento ético e corajoso. É abrir espaço para que aquilo que está recalcado ganhe forma. É permitir que o excesso seja transformado em potência, que o automatismo dê lugar à criação, que o sofrimento se converta em elaboração. O empresário encontra liberdade, o colaborador encontra lugar, a cultura organizacional reencontra vitalidade.

Porque uma empresa que se escuta não busca perfeição. Busca vida. E onde há vida, há desejo, há falha, há transformação. Há espaço para o trabalho e para o humano. Afinal, é possível florescerem juntos!

Sobre a especialista
Bianca Boscoli é psicóloga e fundadora da Clínica Integrada FLOReSER. Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso, com pós-graduações na Universidade do Algarve (Portugal), Universidade Beira do Interior (Portugal) e Stanford University (EUA). Também possui curso de empreendedorismo da Organização das Nações Unidas (ONU).

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