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Cuiabá, 26 de Abril de 2024
26 de Abril de 2024

27 de Novembro de 2016, 08h:45 - A | A

GERAL / VEJA VÍDEO

Padrões sociais e individualismo são determinantes em suicídios, diz psicólogo

Nilson Berenchtein Netto traz para discussão o impacto do atual modelo de sociedade, que promove o individualismo e a competitividade, como fator preponderante do sofrimento de grande parte da população.

CELLY SILVA
DA REDAÇÂO



Nas últimas semanas, os cuiabanos foram abalados com diversas notícias de pessoas que atentaram contra a própria vida, algumas que concretizaram e outras que, por sorte, permanecem vivas, mas que, certamente, necessitam de atenção especial para superar o sofrimento e encontrar um caminho para seguir a vida.

“Isso se expressa, por exemplo, nessa nossa falta de empatia com o outro, da gente não conseguir perceber o outro no seu sofrimento, nas suas dificuldades. A gente está sempre competindo, a gente quer sempre ser melhor [do que o outro]”, explica o doutor em psicologia, Nilson Berenchtein.

Para debater este assunto e tentar estabelecer uma compreensão sobre o problema, o conversou com o professor doutor em Psicologia Nilson Berenchtein Netto, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que esteve em Cuiabá neste final de semana para ministrar um minicurso sobre “fundamentos histórico-culturais do suicídio”.

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Netto destaca o individualismo típico da sociedade atual como um dos fatores que levam as pessoas a um sofrimento tamanho a ponto de querer deixar a vida. “Isso se expressa, por exemplo, nessa nossa falta de empatia com o outro, da gente não conseguir perceber o outro no seu sofrimento, nas suas dificuldades. A gente está sempre competindo, a gente quer sempre ser melhor [do que o outro]”, explica.

Nessa lógica, pode-se entender como causas do suicídio as interações sociais das pessoas e como elas são afetadas com isso. Por exemplo, é comum ver pessoas que mesmo rodeadas de pessoas queridas, se sentem solitárias porque não se sentem encorajadas a expor suas fraquezas, em grande medida por conta da pressão e das cobranças que a sociedade impõe, ou seja, as pessoas querem sempre aparentar felicidade para agradar ao outro, mesmo que o sorriso seja falso, pois se fizer o contrário, correrá o risco de ficar isolado.

"Há uma tentativa de uma parte da sociedade, que pode ser consciente ou não consciente (mas em certa medida é) de transformar o sofrimento dos indivíduos em doença porque na medida em que é uma doença, é uma característica do indivíduo. É uma questão que é orgânica, psíquica, mas que é do indivíduo”, afirma.

“A gente tem estabelecido cada vez mais uma relação utilitária com o outro. Nós nos aproximamos uns dos outros na medida em que essas pessoas, de alguma maneira, contribuem com o nosso desenvolvimento para que a gente se sinta bem. Mas a gente não está preocupado com o outro, a gente está preocupado conosco”, diz Nilson Netto.

Ele também critica o fato das relações sociais estarem cada vez mais “frouxas”, ao ponto de alguém com vontade de tirar a própria vida preferir ligar para os centros de atendimento anônimo do que conversar com um amigo, isso para não expor seu momento de fraqueza.

Relação com problemas mentais

Segundo o psicólogo, tornou-se comum relacionar os casos de suicídio com as chamadas “doenças mentais”, o que esclarece como uma forma pejorativa de abordagem. Netto explica que, primeiro, existem diferenças entre doença mental, transtorno psíquico ou sofrimento psíquico. “O termo doença mental é um termo que uma parte das pessoas que trabalham com saúde mental não usa mais porque traz um caráter biológico muito acentuado”, diz.

“O suicídio pode ou não estar ligado a um transtorno e uma pessoa pode ter um transtorno e se matar por qualquer outro motivo que não seja esse transtorno. Para além disso, há uma tentativa de uma parte da sociedade, que pode ser consciente ou não consciente (mas em certa medida é) de transformar o sofrimento dos indivíduos em doença porque na medida em que é uma doença, é uma característica do indivíduo. É uma questão que é orgânica, psíquica, mas que é do indivíduo”, afirma.

Nesse ponto, ele ressalta que a sociedade atual coloca para as pessoas que cada um é o único e exclusivo responsável pelo seu sucesso ou pelo seu fracasso, o que tira a responsabilidade do grupo e dos fatores externos sobre aquele fato. Além disso, é comum buscar na vítima os problemas que ela trazia e que a levaram a cometer a própria morte, o que é visto pela maioria das pessoas sob o prisma da religião e da moral. “Trazer este tema para o nível moral não ajuda em nada”, opina.

Como pesquisador do tema, Netto contesta os estudos hegemônicos, que afirmam que o suicídio é um fenômeno de fatores múltiplos e de interação complexa, mas, ao mesmo tempo, apontam que cerca de 97% dos casos estão relacionados com transtornos psíquicos, sem demonstrar de onde vêm esses transtornos, simplesmente fadando a pessoa a ser taxada como doente mental.

Ele também critica o uso de medicamentos como primeira tentativa de resolver o problema. “A sociedade continua igual e você está tomando um remédio que altera a sua química orgânica”, diz.

Ele também critica o uso de medicamentos como primeira tentativa de resolver o problema. “A sociedade continua igual e você está tomando um remédio que altera a sua química orgânica”, diz.

Outro ponto que é tido como primordial na tese de Netto é o peso do mercado de trabalho e dos meios de produção sobre as pessoas. “Me parece que não basta fazer com que as pessoas estejam vivas. Se elas estão bem, se elas estão tomando remédio para fingir que estão bem não interessa. Mas aquilo que lhes faz desejar e buscar a própria morte, o que lhes faz sofrer não é a questão, não é isso o que querem mudar”, pontua.

“O que querem é que as pessoas permaneçam vivas porque toda morte traz um conjunto de informações sobre a sociedade, vai falar sobre a vida e sobre a saúde daquela sociedade. Como a gente faz para esconder isso? Fala que o indivíduo está louco. Quem vai dar ouvidos para um louco?”, questiona o professor.

Como agir diante da situação

Após demonstrar que a principal barreira para as pessoas se ajudarem umas às outras é o fato de não mais se reconhecerem e estabelecerem relações sociais e afetivas firmes e que isso deve ser superado, uma forma que Nilson Netto entende como ajuda é falar sobre o motivo do sofrimento da pessoa.  

“Na medida em que eu trabalho com alguém que esteja querendo se matar, que está sofrendo, o que eu preciso fazer é não só mantê-la viva, mas é junto com ela, tentar encontrar na sua vida quais são os elementos que lhe fazem buscar e desejar a morte. Por quê? Porque não são as coisas imediatas e aparentes. (...) Tem mais coisas por trás dos motivos aparentes e imediatos”, diz.

“Grande parte das pessoas não sabem por que querem morrer. Ele tem uma tristeza que não sabe de onde vem. Saber de onde vêm as coisas é importante, identificá-las, mudá-las e entender que elas são passíveis de mudança”, destaca.

Ele dá como exemplo a traição entre um casal. Isso porque ninguém se mata porque foi traído, mas sim por conta do que a traição significa na sociedade em que a pessoa está inserida, ou seja, muitas vezes a pessoa que foi traída pelo companheiro ou companheira é vista como incompetente pelo seu grupo e isso faz com que ela desenvolva algum tipo de não aceitação.

Questionado sobre por que não buscar elementos que façam a pessoa querer buscar a vida ao invés da morte, o professor explica que muitas pessoas que sentem um sofrimento profundo, às vezes nem sabem de onde está vindo tal sentimento. “Grande parte das pessoas não sabem por que querem morrer. Ele tem uma tristeza que não sabe de onde vem. Saber de onde vêm as coisas é importante, identificá-las, mudá-las e entender que elas são passíveis de mudança”, destaca.

“Agora, essas mudanças tampouco são mudanças individuais. Não é você mudar consigo e nem tampouco você tentar mudar sozinho a sociedade porque, senão, é um convite ao sofrimento. Mas entender que com outros você tem condições de mudar essas condições, é fundamental”, completa o psicólogo.

Efeitos colaterais

O professor explica ainda que fazer a pessoa com pensamento suicida buscar elementos para continuar viva, em alguns casos, pode piorar a situação. É o caso em que a família e a religião são colocadas como motivos para fazer a pessoa desistir de morrer para não causar sofrimentos aos outros (no exemplo da família) ou mais sofrimento para si própria (no caso da religião, onde o suicídio é tido como um pecado). Para Netto, essas abordagens mostram-se mais como chantagem do que como ajuda.  

Segundo o pesquisador, a Organização Mundial da Saúde (OMS), discute a religião como fator de proteção ao suicídio, isso porque no ambiente religioso, a pessoa encontra um grupo disposto a recebê-la e a compartilhar suas vidas, mesmo que com limites, mas que criam laços solidários e fraternos. Mas Netto lembra que isso também pode ser encontrado em outras formas de grupos que não seja necessariamente religioso, onde a pessoa possa se sentir pertencente.

Também é preciso entender que cada indivíduo pode demonstrar ou não que está passando por momentos existenciais conflituosos e até mesmo perigosos. Enquanto a maioria tenta esconder essa carga negativa para atender às exigências da sociedade, para manter o ritmo de competição, outras preferem se expôr, como forma de chamar a atenção e pedir ajuda.

 

Confira a entrevista do professor Nilson Netto:

 

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Durval Sslles 09/12/2016

Recomendo a obra do sociólogo e antropólogo Emile Durkheim - "O Suicídio " - elaborada no séc XIX, pesqisando casos por toda Europa. Um dos dados desta pesquisa é que ocorre mais no verão e durante o dia, meio da semana homens e domingos mulheres. Indico também as produções "Um Grito de Socorro " e "Orações para Boby".

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A Candido 27/11/2016

O primeiro passo para a liberdade humana é o conhecimento sobre si mesmo (Sócrates ), e consequentemente a independência afetiva. O segundo é o amor ao próximo. Pratique o amor ao próximo, independente de religião, interesse - se pelos outros, ouça as pessoas nos seus problemas com sinceridade mesmo que seja um chato de galocha, então vc deixa de ser um mendigo e passa a ser o doador, e ainda beneeficia o próximo. Interesse -se pelos Rob led inteiro literatura clássica, filosofia ou outra área de interesse, e desligue televisão, desative o face e use o wats somente o necessário. Pronto! És uma nova pessoa.

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Sophia 27/11/2016

Se as pessoas parassem para trabalhar mais a caridade no seu dia a dia, as coisas melhorariam. Não digo somente caridade material, mas acima de tudo a caridade moral.

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3 comentários

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