ISA SOUSA
MÍDIA NEWS
Criado em 1992 para abrigar menores de até 12 anos em situação de vulnerabilidade social, o Lar da Criança abriga, atualmente 79 crianças, com idades que variam de 0 a 12 anos.
Há pouco mais de um mês, a psicóloga e assistente social Marimar Michels assumiu a superintendência do Lar, com o desafio de "humanizar" ainda mais a sua estrutura e enfrentar os problemas existentes.
"E, pelo pouco tempo que estou aqui, posso afirmar de modo convicto: o Lar da Criança não é a uma instituição falida e problemática, como alguns teimam em pintar... No pouco tempo em que estou aqui, posso afirmar que nossos problemas, hoje, são mais externos do que internos. Temos uma estrutura adequada ao atendimento das crianças. Não falta alimentação adequada, roupas, tratamento digno, com diálogo e carinho no trato. É claro que os problemas existem, como em qualquer organização, estrutura ou empresa. Mas, em função de alguns problemas isolados, muitos convencionaram-se a dizer que o Lar é um local problemático, desestruturado e que não dá a atenção necessária às crianças. Isso não é verdade", disse.
Ela recebeu a reportagem do MidiaNews para falar sobre a organização do Lar, de denúncias sobre possíveis maus tratos às crianças e as perspectivas da instituição.
Tony Ribeiro/MidiaNews |
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Marimar diz que são 180 servidores e 79 crianças em um trabalho de 24 horas por dia |
Confira os principais trechos da entrevista concedida ao MidiaNews:
MidiaNews – Qual avaliação a senhora faz sobre o Lar da Criança? Quais são as principais dificuldades da instituição atualmente?
Marimar Michels – Curiosamente, no pouco tempo em que estou aqui, posso afirmar que nossos problemas, hoje, são mais externos do que internos. Temos uma estrutura adequada ao atendimento das crianças. Não falta alimentação adequada, roupas, tratamento digno, com diálogo e carinho no trato. É claro que os problemas existem, como em qualquer organização, estrutura ou empresa. Mas, em função de alguns problemas isolados, muitos convencionaram-se a dizer que o Lar é um local problemático, desestruturado e que não dá a atenção necessária às crianças. Isso não é verdade. Quem visitar a instituição poderá confirmar.
MidiaNews – Recentemente, houve denúncias de supostos maus tratos, inclusive divulgadas pela imprensa.
Marimar Michels – Essas denúncias não estão comprovadas. Elas estão sendo apuradas, com todo o rigor e, caso comprovadas, os responsáveis serão demitidos. As investigações estão sendo conduzidas pela Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Deddica. Queremos todo o rigor possível. Eu já prestei depoimento, as crianças já prestaram depoimentos, e os servidores também. Se forem constatados crimes, serão tomadas as providências cabíveis, é óbvio.
MidiaNews – Houve protesto internamente, com crianças subindo no telhado?
"Temos uma estrutura adequada ao atendimento das crianças. Não falta alimentação adequada, roupas, tratamento digno, com diálogo e carinho no trato. É claro que os problemas existem, como em qualquer organização, estrutura ou empresa"
Marimar Michels – Sim. Há algumas crianças, ou pré-adolescentes, que têm liderança nata. Que estão na fase de questionar, de enfrentar a autoridade. Isso é absolutamente normal. Inclusive, a partir desta semana, o Centro de Atenção Psicossocial Infantil, através da gerente Luciana Gomes, estará dando suporte para algumas dessas crianças, que inclusive apresentam hiperatividade. Nós estamos tendo toda a assistência e apoio do governador Silval Barbosa, da primeira-dama Roseli Barbosa, do secretário Jean Estevan (da Secretaria de Estado de Assistência Social). Temos o apoio do Ministério Público Estadual, por meio do promotor de Justiça José Antônio Borges. A Justiça também está atenta ao que acontece no Lar. Há um esforço no sentido de se aperfeiçoar, cada vez mais, o atendimento da entidade. Agora, o que às vezes atrapalha, e muito, é um olhar preconceituoso de alguns setores que, ao invés de perguntar “posso ajudar?” coloca o foco em outras coisas.
MidiaNews – Quais setores seriam esses?
Marimar Michels – A própria imprensa, por exemplo. Há alguns poucos veículos de comunicação que não fazem uma cobertura responsável em relação ao Lar das Crianças. Percebe-se que há um certo direcionamento no que é escrito. Seja por questão política, ou qualquer outra, parece que tentam usar a instituição para atacar o Governo. Isso não é justo. O mais grave é que isso atrapalha meu trabalho mas, até aí, tudo bem... E as crianças? Existe o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que é muito claro: essas crianças não podem ser expostas de forma vexatória. Alguns veículos de comunicação, ou formadores de opinião, nos cobram qualidade máxima. Tudo bem, esse é o papel. Mas eles também não cumprem seus papéis de maneira responsável, quando distorcem fatos e expõem as crianças dessa forma. O que eles querem com isso? Por isso, eu questiono: se o Lar da Crianças fechar, eles vão levar todas essas crianças para casa deles? Essas pessoas que agem para prejudicar o Lar já se perguntaram se existe outra instituição preparada, com esse mesmo suporte? Essas crianças especiais, por exemplo, são filhas do Estado e, se são do Estado, são nossas também. É isso que me angustia. Se há pessoas que estão fazendo ou fizeram coisas erradas, eu vou ser a primeira a pedir a exoneração delas.
MidiaNews – A senhora citou "perseguição política".
Marimar Michels – Não sei se é isso, de fato. Acredito que falta um olhar diferenciado em relação ao Lar da Criança. As pessoas estão acusando sem provas, tentando manchar um trabalho árduo que sempre foi feito pelo Estado.
MidiaNews – A senhora assumiu recentemente. Como está o trabalho no Lar?
Tony Ribeiro/MidiaNews |
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Marimar Michels – Nós estamos passando por um período de transição. A equipe mudou, mesmo porque entraram concursados no lugar de contratados. As próprias crianças estão tendo sua fase de adaptação, já que sofreram perdas também com a saída de muitos servidores. Por isso mesmo, um dos primeiros passos que dei foi no sentido de "humanizar" mais o serviço. Não adianta nada eu chegar aqui e tentar mudar algumas coisas se eu não fizer, antes de tudo, um encontro de acolhimento com eles. E faltava isso, não posso negar que faltava... Assim como a gente acolhe as crianças aqui, os funcionários também têm que ser acolhidos, são eles que vão ficar na casa, em contato direto com os menores. Esses servidores são os efetivos do Lar da Criança. Então, temos que dar assistência e capacitação constante a eles. Pois eles vão ficar definitivamente aqui até se aposentarem. Mas estou animada com o trabalho e confiante de que, muito em breve, já poderemos colher os primeiros frutos. Nós temos 79 crianças e quase 200 funcionários, é um trabalho de 24 horas por dia e nos dedicamos integralmente a ele.
MidiaNews – Há comentários de que crianças seriam instigadas a falar mal da instituição, seja internamente, seja à Polícia Civil. Haveria algum tipo de manipulação por funcionários, ou alguém com outros interesses?
Marimar Michels – Infelizmente, isso pode acontecer. Já houve situações em que as crianças falaram uma coisa para mim e, depois, deram outra versão para o Conselho Tutelar. Às vezes há, de fato, contradições e, por isso mesmo, é preciso que tudo seja investigado, inclusive com acareações.
MidiaNews - A senhora abriu uma sindicância para investigar os supostos maus tratos?
Marimar Michels - Sim, mas também queremos saber sobre as fugas e se houve facilitações. Os servidores que chamamos de líderes, que coordenam as alas do Lar, por exemplo, já foram advertidos por mim a respeito dessas possíveis facilitações. Óbvio que nossa parte é administrativa, e a Deddica também está fazendo o trabalho de investigação.
MidiaNews – Ainda sobre essa investigação da Polícia Civil, a motivação foi a "fuga" de 16 crianças, na semana passada. Houve, de fato, facilitação para a fuga?
"Agora, se houve suspeita, que tudo seja investigado de acordo com as normas legais, e que não se faça um "terremoto" para prejudicar o Lar. Eu lamento por esse tipo de coisa... Essa, talvez, seja a minha maior tristeza"
Marimar Michels – Não. Não houve. O que acontece é que as crianças são muito rápidas e muito ágeis, e sempre descobrem uma brecha para ir para a rua. Todos os espaços no qual eles poderiam fugir já foram verificados e estão protegidos. É válido reforçar, no entanto, que essas crianças não fogem para “nunca mais voltar”. Todas, na verdade, voltam. O que elas querem, às vezes, é visitar um parente, um familiar, alguém com quem tenham relação afetiva. Tanto é que, à noite, elas nunca fugiram, porque têm medo. Quero dizer também que não precede a informação de que faltaria, aqui, roupas ou calçados. Para se ter uma ideia, quando essas crianças “fogem”, elas levam roupas ou calçados para darem para os irmãozinhos que estão do lado de fora.
MidiaNews – Houve, ao longo do ano passado, denúncias de supostos superfaturamentos em licitações para o Lar da Criança.
Marimar Michels – Quem cuida de todo e qualquer tipo de contratação é a Secretaria de Estado de Administração (SAD). Portanto, relacionado à licitações, nunca atuamos diretamente, e eu não disponho de dados sobre esses processos. Agora, se houve suspeita, que tudo seja investigado de acordo com as normas legais, e que não se faça um "terremoto" para prejudicar o Lar. Eu lamento por esse tipo de coisa... Essa, talvez, seja a minha maior tristeza... Quando me convidaram para assumir a superintendência do Lar da Criança, eu a aceitei como um desafio. Muitas pessoas chegaram a me alertar para eu não vir pra cá, com receio de que eu pudesse me "queimar". Agora, eu amo crianças, trabalho há vinte anos na área e não podia perder essa oportunidade. E, pelo pouco tempo que estou aqui, posso afirmar de modo convicto: o Lar da Criança não é a uma instituição falida e problemática, como alguns teimam em pintar... E estou aberta à população, para que a realidade seja mostrada e os problemas, que porventura existirem, sejam corrigidos.
MidiaNews – Qual é o orçamento do Lar da Criança anualmente?
Marimar Michels – Para este ano, foi aprovado um orçamento de R$ 3,7 milhões. É um orçamento que atende à nossa demanda atual.
MidiaNews – Quantas pessoas atuam na instituição? O número é suficiente ou qual seria o ideal?
Marimar Michels – São 180 servidores, sendo que deste total, 97 já são concursados, além de mais 40 voltados para a limpeza. A princípio é um número suficiente, mas é lógico que se vierem mais profissionais, sempre será melhor. Como nós estamos com a questão de municipalizar o Lar e com uma nova casa a ser inaugurada, não vão entrar mais tantas crianças aqui. Aquelas que são de Várzea Grande, por exemplo, serão levadas para lá. Então, a demanda vai ser suficiente para o número de profissionais que temos aqui hoje.
MidiaNews – A instituição conta com ajuda de terceiros?
Marimar Michels – Sim, nós temos parceiros. Temos a Universidade de Cuiabá (Unic) que dá o atendimento odontológico; temos o Centro Universitário de Várzea Grande (Univag) que tem a psicoterapia infantil, que nós dá bastante suporte; contamos com o haras Rancho Dourado, que atende crianças especiais para ecoterapia (terapia com cavalos); tem a academia Medley, que oferece vaga para uma criança que está obesa; duas crianças fazem aula na Supera, uma escola que auxilia na memorização e aulas de matemática; estamos com 10 vagas na Escola de Futebol Zico 10, no Círculo Militar, e a liga de pediatria do Hospital Júlio Müller quer fazer um trabalho conosco de atendimento, orientação e higiene. Quanto a essa última, nós já encaminhamos para o Juizado para ver se será concedido ou não.
Tony Ribeiro/MidiaNews |
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MidiaNews – O Lar da Criança é aberto à visitação?
Marimar Michels – Não. O Estado é o financiador da casa, quem a mantém financeiramente. Mas quem a tutela é o Juizado Especial da Infância e Juventude e a Promotoria da Infância e Juventude. Para poder entrar aqui, portanto, é necessária autorização judicial. E por quê? Porque as crianças precisam de medida protetiva, elas estão aqui por histórias relacionadas à maus tratos, negligência, abandono, ou pais usuários de drogas, por exemplo. Elas são colocados aqui para serem protegidas e muitas vezes as pessoas, infelizmente, vinham e usavam de má fé. Dessa forma, o juiz entende, de maneira correta, que é preciso proteger esses menores. Não é proibido entrar no Lar da Criança, mas perante os órgãos que tutelam a instituição é necessário apresentar as justificativas, as intenções da visita. É para curiosidade ou para ajudar? Portanto, sempre dependerá do contexto.
MidiaNews – Se um casal tiver interesse em adotar uma dessas crianças, qual o procedimento?
Marimar Michels – O primeiro passo é procurar a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Nós não fazemos nenhuma intervenção, mesmo porque existe um cadastro nacional e, por meio da Ceja, há esse apoio. Há o preenchimento de uma ficha, onde pode ser colocado os requisitos, como sexo e idade que a família quer. É um processo rigoroso, com uma ordem de chamada.
MidiaNews – Quantas crianças e adolescentes estão atualmente no Lar da Criança?
Marimar Michels – São 79 crianças, entre 0 e 12 anos. Sendo que 58 são de Cuiabá e 21 de Várzea Grande, segundo dados atualizados no dia 20 de junho. No berçário, que comporta crianças de 0 a 1 ano, temos sete meninas e oito meninos. Na ala de dois a cinco anos, temos 11 crianças, sendo três meninas e oito meninos. E, entre 6 e 12 anos, temos 17 meninas e 30 meninos. Temos também cinco meninos e uma menina neuropata (espécie de problemas nos nervos) e mais 12 crianças especiais, sendo quatro meninas e oito meninos.
MidiaNews – A instituição está superlotada?
"Nós temos um corpo técnico composto de sete psicólogos, seis assistentes sociais, uma fonoaudióloga e dois médicos. Temos enfermeiras em cada plantão e fisioterapeutas que dão todo suporte necessário"
Marimar Michels – Em anos anteriores ela já esteve, hoje não. A instituição comporta todos adequadamente e consegue dar o atendimento individualizado que eles precisam.
MidiaNews –Você disse que entre os principais motivos que as crianças chegam ao Lar são maus tratos, negligência, abandono e pais usuários de drogas. Há um trabalho psicológico com elas?
Marimar Michels – Sim, constantemente. Nós temos um corpo técnico composto de sete psicólogos, seis assistentes sociais, uma fonoaudióloga, dois médicos que dão suporte e que estão aqui há muitos anos, também temos enfermeiras em cada plantão e fisioterapeutas que dão todo suporte necessário para as crianças.
MidiaNews – E em relação à alimentação, que também já foi alvo de críticas?
Marimar Michels – São seis refeições por dia, todas coordenadas por um nutricionista: o café da manhã, depois, por volta das 9 horas, o que chamamos de "colação", em que geralmente é servida uma fruta. Ao meio dia, eles almoçam, sempre com cardápio balanceado e alternando nos dias da semana, com carne vermelha, frango ou peixe. Em seguida eles descansam. Há ainda o lanche da tarde, que é composto por um suco, bolo ou salgado. No fim da tarde, as crianças jantam e, por volta das 20 horas, eles tomam um iogurte, ou comem uma fruta, como última refeição. A respeito dos quartos, elas ficam divididas em espaços por idade, sendo o berçário de 0 a 2 anos, depois de 2 a 5 anos, depois de 5 a 8 anos; 8 a 10 e 10 a 12 anos. Nos dormitórios, elas são separadas por sexo e, sempre, há um servidor no quarto para cuidar da ordem.
MidiaNews – Qual a idade limite para que os jovens permaneçam no local?
Marimar Michels – Até 12 anos.
MidiaNews – Durante o período de estadia, elas estudam? Frequentam escolas?
Marimar Michels – De dois a cinco anos, elas já passam por um trabalho de convivência comunitária, que é direito preconizado no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Assim, na primeira idade, algumas já vão para creche. As crianças de 5 a 12 anos vão para escolas estaduais ou municipais, sendo levadas diariamente por motoristas, sempre com cuidadores dentro dos veículos. Como eu recém cheguei na instituição, meu próximo passo é entrar em contato com todas as escolas e fazer reuniões para que possamos fazer parcerias para dar assistência. A minha meta é que esse acompanhamento escolar vire rotina.
MidiaNews – E aquelas crianças que atingem a idade limite e não conseguem ser adotas, vão para onde?
Tony Ribeiro/MidiaNews |
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Marimar Michels – Existem as instituições municipais que as acolhem. Se a criança for de Várzea Grande, vai para a Casa Lares. Se é de Cuiabá, há mais opções: a Nossa Casa, a São Judas Tadeu e a Casa de Retaguarda.
MidiaNews – Como a senhora espera que esteja o Lar da Criança daqui para a frente?
Marimar Michels – No que depender do meu trabalho, estará cada vez melhor. É o que eu disse: não adianta vivermos em um mundo de fantasia... Os problemas existem e continuarão a existir. Vamos continuar a enfrentá-los, com bom senso e responsabilidade. E sempre precisaremos do respaldo, do apoio da sociedade, seja do Ministério Público, da Justiça, da Polícia Civil, ou de empresários que queiram ajudar a dar uma condição de vida mais digna para essas crianças. Para mim, não haverá realização maior em ver essas meninas e meninos saindo do Lar e irem para uma família, sendo amadas, ou tendo novas oportunidades de vida, de estudo, de crescimento profissional e humano. Esse, na verdade, é o meu sonho.
Eliana 23/06/2014
CONCORDO COM A MÁRCIA.. CONHEÇO ELA LÁ DA SAÚDE.. É GENTE DA MELHOR QUALIDADE E TORÇO PARA QUE DÊ UM BOM RUMO PARA ESTE LAR DA CRIANÇA. ELA MERECE E AS CRIANÇAS TBM.. A MISSÃO É DURA, MAS ELA E MTO COMPETENTE. VAI CONSEGUIR COM A AJUDA DE DEUS...BOA SORTE..
marcia 23/06/2014
Grande pessoa. vai dar um jeito nisso aí.. parabéns pela entrevista.. muito boa e esclarecedora..
2 comentários