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"Sempre fui ensinado que aquela área não deveria ser explorada e, por isso, passei boa parte da minha vida sem questionar isso. Descobri o prazer na região quando eu tinha 16 anos, depois que minha primeira namorada disse que queria fazer sexo anal, desde que eu fizesse também. Para mim, nunca foi um tabu, era mais uma questão de curiosidade, daquelas que a gente reprime".
O depoimento do jornalista Marcelo*, de 24 anos, heterossexual, não é comum entre homens que se relacionam com mulheres. Tabu relacionado ao machismo, o prazer anal masculino é uma questão construída socialmente -- como o fato de homem não gemer no sexo -- cercada de muito preconceito. Os homens que falaram para esta matéria revelaram que falam pouco ou quase nada sobre isso com homens, nas rodas de conversa.
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Não deixar sequer tocar no bumbum ou ter aflição de estímulos no períneo (aquela partezinha que fica entre o sacro escrotal e o ânus), ou no ânus propriamente, têm a ver, entre outros fatores, com o desconhecimento do poder que essa zona erógena do corpo feminino e do masculino tem durante uma transa.
Há muito tabu para pouco prazer. Assim, práticas sexuais como beijo grego (carícias com a língua no ânus), pegging (penetração anal feita pela mulher com brinquedos eróticos) e uso de cinta peniana (strap-on) ficam de fora da cama -- o que pode limitar a forma de explorar o corpo e de ter sexo de qualidade entre casais heterossexuais.
'Passada' de mão pode?
Para o músico Fernando Heanna, 32 anos, heterossexual, a experiência de relacionar o prazer masculino ao toque anal não faz sentido. Nas relações sexuais, ele afirma, não vê problema nos "apertões na bunda ou nas passadas de mão", mas, não deixa que o contato se estenda até a região anal.
"Quando percebo a intenção, eu tiro a mão da pessoa, mudo de posição, essas coisas", explica. Para ele, não permitir que se explore o toque no ânus tem mais a ver com uma noção de higiene do que especificamente com preconceito.
"A princípio acho está mais relacionado à higiene. Nunca fui a um encontro esperando fazer isso, nunca me preparei pra isso. Também me acho feio ali, sei lá. Mas hoje eu noto que me sinto bem por nunca ter feito isso, e contrariar o que a sociedade quer me impor [a prática]. Isso porque, para mim, parece que a prática se tornou 'algo de progressista'.
Pornô com cinta peniana e mais prazer
O fotógrafo Bernardo*, 35 anos, heterossexual, ao contrário, não vive essa restrição a respeito do seu prazer. Ele conta que, ao assistir filmes pornôs de strap-on (a cinta peniana) e de "inversão de papeis", acabou entendendo a região anal como uma possibilidade de ter satisfação no sexo. Tocar a área sozinho também foi um dos caminhos para desenvolver o interesse pelo contato anal.
"Eu fui descobrindo o prazer anal me tocando, vendo pornôs de strap-on, pegging e lendo sobre o tema. Por essa razão, sempre me sinto super à vontade para pedir isso para as mulheres ou 'dar a entender': pego a mão delas e sugiro".
"Em um outro namoro, durante uma conversa, a minha ex disse que tinha medo de se machucar, mas tinha curiosidade. E perguntou o que eu achava. Eu disse que também tinha curiosidade e tinha lido que meu 'ponto G' fica no ânus e que tinha muita sensibilidade na região do períneo. Então, começamos a explorar, os dois", descreve.
Com a namorada atual, a exploração do prazer na área foi ainda mais natural. "Não houve conversa. A exploração acabou sendo mais no feeling do que no questionamento. Depois, ela me disse que estava preocupada em tocar meu ânus e tentar promover prazer por lá, porque com o ex dela era uma área proibida, rolava até briga. O mais legal disso tudo é que, além da busca de promover prazer ao outro, ela sempre me diz que sente muito tesão em explorar essas partes em mim".
Medo do prazer
A psicóloga e terapeuta sexual Paula Napolitano explica que há muitos motivos para que a penetração, o toque e até mesmo a apalpada no bumbum sejam "movimentos proibidos" para o homem (inclusive em relações homossexuais que acabam caindo em padrões de heteronormatividade).
"É uma questão comum no meu consultório. Nossa sociedade é bastante machista e o prazer anal é relacionado erroneamente à homossexualidade. Além disso, pornôs heterossexuais reforçam só a penetração vaginal [como acesso para o prazer masculino] e pronto", comenta.
A especialista avalia, ainda, que o homem não se permite sentir prazer anal por medo de perder o controle. "Por ele nunca ter feito, se pergunta o que vai acontecer, como vai reagir caso tenha um prazer enorme. Para não se ver nessa situação de exploração, acaba se reprimindo".
Sexualidade 'ampla' e como explorar o toque anal
Paula explica que é preciso retirar a vida sexual de caixinhas, "do certo e do errado", e se abrir para experimentações de diferentes formas de estimulação no corpo. "A prática é feita pelo casal entre quatro paredes, então, se ele está querendo explorar ali com a mulher, decidir onde vai ser tocado, não tem nada a ver com sua orientação sexual".
A terapeuta sexual recomenda três passos para que o homem se sinta à vontade para receber o toque anal.
1) Entender que não tem nada a ver com relação homoafetiva: "Qualquer pessoa pode ter prazer anal. A próstata, aliás, pode ser ainda mais explorada por gerar muito prazer", diz a especialista.
2) Ter consciência de que é bom explorar o corpo todo e fazer preliminares. "A pessoa pode começar passando a unha, o cabelo, no corpo inteiro, inclusive no bumbum do homem. Ele vai ser estimulado como um corpo todo. Não é só pênis, seio e vagina que merecem atenção", diz Paula. "Não ir direto, como recomendamos para o contato com o clitóris, também é válido. Pode-se estimular o períneo, fazer carícias antes de ter penetração, ou até mesmo usar um vibrador na região".
3) Ler e conversar sobre o tema. "Isso pode gerar o aumento de intimidade do casal", explica a terapeuta sexual. "Já quem está em uma relação casual, é importante ir 'comendo pelas beiradas', e perguntar de forma verbal e não-verbal se a pessoa 'gosta lá'. O homem que quer ser estimulado no ânus, pode ir chegando perto do anus dela também, e reparar se ela se sente aberta para a experiência". "No sexo, nao tem nunca regra única, é observar e sentir o que a pessoa está gostando ou não".