VANESSA MORENO
DO REPORTÉR MT
O Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) recorreu da decisão da 14ª Vara Criminal de Cuiabá que determinou a soltura dos policiais militares do Batalhão de Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam) Jorge Rodrigo Martins, Wailson Alessandro Medeiros Ramos, Wekcerlley Benevides de Oliveira e Leandro Cardoso. Eles são acusados de envolvimento no assassinato do advogado Renato Nery, ocorrido em julho de 2024, em Cuiabá.
Os quatro foram denunciados pelo MP por homicídio qualificado e tentativa de homicídio por terem forjado um confronto no Contorno Leste para ocultar a origem da arma utilizada para matar o advogado. No confronto simulado, um homem de 26 anos morreu e dois adolescentes de 16 ficaram feridos.
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Após investigações da Polícia Civil de Mato Grosso, Jorge Rodrigo, Wailson, Wekcerlley e Leandro foram presos preventivamente durante a Operação Office Crime – A Outra Face, em março deste ano.
Soltura
No dia 29 de maio, o juiz Francisco Ney Gaíva, da 14ª Vara Criminal da capital revogou a prisão preventiva, concedendo liberdade aos quatro, mediante aplicação de medidas cautelares como proibição de contato com vítimas e testemunhas, recolhimento domiciliar noturno — das 20h às 6h — e durante os dias de folga, além da apresentação trimestral de relatório das atividades laborais.
Para soltá-los, o magistrado alegou que a prisão dos militares não é mais necessária, visto que a fase de investigação foi concluída e não há indícios de que eles tenham tentado obstruir o processo. O juiz destacou ainda que os policiais são primários, têm residência fixa, vínculos profissionais e familiares, e compareceram espontaneamente sempre que intimados.
Argumentos do MP
O MP, por sua vez, entendeu que a decisão merece reparo, já que o juiz Francisco Ney Gaíva entendeu pela inexistência de fatos que demonstrem risco, quando a acusação do policiais possuem elementos técnicos adicionais que comprovam a gravidade dos fatos, como, por exemplo, a constatação científica de que a arma utilizada no falso confronto é a mesma que matou Renato Nery e uma outra vítima em 2022.
“A peça acusatória trouxe elementos técnicos adicionais que comprovam a gravidade excepcional dos fatos, incluindo a comprovação científica, através do laudo pericial balístico, de que a pistola Glock modelo G17, calibre 9mm, número de série VPL 521, "encontrada" no suposto confronto, foi a mesma utilizada para executar o advogado Renato Gomes Nery em 05/07/2024 e em outro homicídio ocorrido em 2022”, diz trecho do recurso.
As provas apresentadas pelo MP demonstram ainda que não houve um confronto real no Contorno Leste, mas sim uma “execução deliberada seguida e inovação artificiosa da cena do crime”.
“A perícia balística comprovou que os projéteis e estojos encontrados na cena foram disparados exclusivamente pelas armas dos próprios policiais denunciados, e não pelas armas supostamente em posse das vítimas. Esta constatação técnica, estabelecida através do laudo, constitui elemento irrefutável que demonstra a simulação do confronto policial”, ressaltou o MP.
Ainda segundo o Ministério Público, as armas supostamente apreendidas no confronto foram entregues pessoalmente pelo policial Jorge Rodrigo e não recolhidas pela perícia no local, junto ao corpo da vítima. Além disso, o MP destaca que não havia perfurações de disparos em nenhum dos veículos envolvidos, fato que “torna implausível a alegada troca de tiros”.
Ainda em relação à gravidade dos crimes cometidos pelos PMs, o Ministério Público destacou que a conduta dos quatro revela elevado grau de reprovabilidade social, além de clara subversão dos princípios que regem a atividade policial.
“Trata-se de condutas atribuídas a agentes de segurança pública, os quais, segundo os elementos constantes dos autos, teriam executado um jovem de 26 anos e atentado contra a vida de dois adolescentes de 16 anos, valendo-se, para tanto, de sua condição funcional e dos recursos estatais disponíveis”, consta no recurso.
Já em relação ao assassinato de Renato Nery, o Ministério Público ressaltou que uma análise forense realizada no celular do policial Wailson identificou uma foto do advogado salva um dia após o homicídio, evidenciando, segundo o MP, possível envolvimento direto do PM no crime. Pesquisas na web sobre o assassinato também foram feitas pelo policial.
“O aparelho de Wailson continha foto da vítima Renato Gomes Nery salva no dispositivo em 06/07/2024, apenas um dia após o homicídio do advogado, evidenciando conhecimento prévio do crime e possível envolvimento direto. Ademais, foram encontradas pesquisas web sobre a morte de Renato Gomes Nery realizadas em 22/02/2025, demonstrando interesse continuado no caso”, diz trecho do documento.
Além disso, o MP destaca que no celular de Wailson tinha áudios comprometedores nos quais ele dizia "Acabei de trocar tiro aqui nega!", "Acabei de trocar tiro tá?", "Cara tomou um disparo na porra do peito, transfixou, deu Hemotórax que é sangue né, drenaram o sangue dele, o filho da puta não morreu cara!" e "Mas tá bom, tá de boa, mas tem aquela coisa, todo confronto tem alguém morto, eu estou de boa, falei para os caras, pedi desculpa pela cagada de pau, mas acho que não foi cagada de pau não!".
O último áudio, de acordo com o MP, demonstra a naturalização da violência letal e consciência de que perseguições policiais devem resultar em mortes.
Quanto a Jorge Rodrigo e Leandro Cardoso, o recurso relembra que ambos figuram como réus na Operação Simulacrum, que ganhou destaque nacional por se tratar de uma organização criminosa responsável pela morte de dezenas de vítima em confrontos forjados.
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“Revelando uma cultura que, ao longo dos anos tem se traduzido em índices escandalosos de letalidade policial, a merecer estrita atenção do Sistema de Justiça, conforme se pode depreender do quadro abaixo”, ressaltou.
Dentre as alegações do recurso consta ainda a informação de que os quatro PMs integram um grupo de WhatsApp intitulado "Gol Branco", onde eles combinam versões e obstruções da justiça, como orientações explícitas sobre depoimentos.
"Sempre conforme o B.O., entendeu? O B.O. tá ali da uma olhada de novo", "Nada, eu acho que deve tá dando divergência em nosso depoimento" e "Porque essa porra ele filmou tudo, ah nosso depoimento, pó", são alguns dos diálogos encontrados no grupo e descritos na íntegra.
“A investigação descortinou evidências da existência de organização criminosa composta por agentes de segurança pública, evidenciada pela criação do grupo de WhatsApp "Gol branco" entre os policiais militares logo após o homicídio, demonstrando coordenação entre os envolvidos”, ressaltou o MP.
No mesmo grupo, os policiais ainda faziam comentários sobre uma pessoa identificada como “15”, que, de acordo com o Ministério Público, revelam um aspecto ainda mais grave, pois sugerem a existência de um indivíduo dentro da organização criminosa que tem histórico de violência letal sistemática.
"O 15 está demais esse ano", "Ele não para", "Ele só pensa em matar matar matar", são algumas das mensagens encontradas.
Pedidos do MP
Por fim, o recurso do Ministério Público pede que o juiz da 14ª Vara Criminal de Cuiabá reestabeleça a prisão preventiva de Wekcerlley, Jorge Rodrigo, Leandro e Wailson, sob alegação de que as medidas cautelares impostas a eles são inadequadas diante da sofisticação criminosa verificada e do risco concreto de interferência na instrução processual.
“Excelências, a liberação dos custodiados representa risco concreto à instrução criminal, considerando sua capacidade de intimidação e a influência que exercem no meio policial. As investigações não foram completamente exauridas, havendo necessidade de aprofundamento quanto à participação de outros envolvidos na organização criminosa”, concluiu.
O recurso é assinado pelos promotores de Justiça, Rinaldo Segundo, Élide Manzini de Campos, Rodrigo Ribeiro Domingues, Samuel Frungilo e Vinicius Gahyva Martins.