VANESSA MORENO
DO REPORTÉR MT
O caseiro e montador de móveis planejados Alex Roberto de Queiroz Silva realizou diversos treinamentos com a pistola Glock calibre 9 mm, adaptada para tiros em rajada, usada para matar o advogado Renato Nery, em julho do ano passado, em Cuiabá. Ele praticava os disparos em garrafas e tábuas, tanto à curta quanto à longa distância, para aperfeiçoar sua pontaria. Os treinamentos aconteciam em uma chácara no bairro Capão Grande, em Várzea Grande, que foi arrendada pelo policial militar Heron Teixeira Pena Vieira três meses antes do crime.
Alex e Heron foram denunciados pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), em maio deste ano, por homicídio qualificado com as agravantes de promessa de recompensa, perigo comum, dificuldade de defesa da vítima e idade avançada da vítima, além de fraude processual por tentativas de ocultar provas e dificultar as investigações e organização criminosa. O PM também foi acusado de abuso de autoridade, por uso indevido do poder.
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Os dois confessaram os crimes e estão presos.
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De acordo com a denúncia, no dia 5 de julho de 2024, por volta das 9 horas, Alex Roberto matou Renato Nery, em frente ao escritório dele, localizado na Avenida Fernando Correa, em Cuiabá. O plano foi executado previamente por uma organização criminosa, mas o caseiro agia sob intermediação direta do PM Heron Teixeira.
Renato Nery foi atingido na cabeça e chegou a ser socorrido, mas morreu na madrugada do dia seguinte.
Antes de cometer o crime, Alex Roberto monitorava a rotina do advogado e, um dia antes do assassinato, chegou a rondar o escritório da vítima em uma moto Honda CG 160 Fan vermelha, parando por cerca de dois minutos no mesmo local onde estacionou no dia seguinte para atirar contra Renato.
No dia do crime, ele passou novamente em frente ao escritório por volta das 8h56, deu uma volta no quarteirão e parou em uma rua lateral, onde aguardou a chegada do advogado.
“Aproveitando-se do momento em que a vítima iniciava a subida das escadas que davam acesso ao seu escritório — encontrando-se em posição de extrema vulnerabilidade — o denunciado, vestindo jaqueta e calça pretas, capacete da mesma cor e, possivelmente, um colete balístico por baixo da vestimenta, aproximou-se e efetuou sete disparos de arma de fogo em modo rajada (automático), todos direcionados à cabeça da vítima”, narrou o MP.
Na denúncia, o Ministério Público ressaltou ainda que os disparos foram realizados em via pública e horário comercial, colocando em risco não apenas a vítima, mas diversas outras pessoas próximas ao local. A adaptação da arma para tiros em rajada multiplicou o risco de atingir pessoas inocentes.
Após executar o advogado, Alex fugiu, foi até à chácara no Capão Grande, onde atuava como caseiro a serviço de Heron, e queimou o capacete, a jaqueta e as luvas que ele utilizava durante a ação criminosa. O caseiro ainda, em cinco dias, trocou de aparelho celular cinco vezes como forma de dificultar as investigações do crime.
Um mês depois, Alex Roberto começou a fazer buscas pelo caso na internet, que segundo o MP “evidenciam seu deliberado monitoramento das investigações em curso, revelando preocupação direta com o avanço da apuração policial”.
Heron orientou o caseiro a dar fim na motocicleta utilizada na execução do crime. O veículo, no entanto, foi encontrado pela polícia em uma oficina em Barão de Melgaço, com o motor fundido.
O PM também realizou diversas viagens a Primavera do Leste, onde cobrava de intermediários o pagamento pela execução do crime. De acordo com o MP, ele demonstrava apreensão à medida que as investigações avançavam, especialmente após tomar conhecimento das buscas realizadas na casa dos supostos mandantes do assassinato.
Em determinado momento, segundo Ministério Público, Heron chegou a sinalizar que se fosse preso iria revelar informações comprometedoras sobre os demais envolvidos no assassinato.
Narra o MP que Alex e Heron foram contratados para matar o advogado mediante a promessa de recompensa no valor de R$200 mil, dos quais R$40 mil seriam pagos a Alex.
Heron providenciou a arma do crime por meio de contatos no batalhão da Rotam, do qual já fez parte.
Relação entre Alex e Heron
Investigações apontam que Alex e Heron possuíam uma amizade íntima e convivência regular, demonstradas por visitas e até por presentes. No celular de Alex, inclusive, foram encontradas diversas conversas. Em uma delas o caseiro dizia "eu ganhei um celular ontem pô do chegado do meu lá do HERON chamou eu lá na casa dele falou cola ai eu vou tomar um tereré aí eu fui lá ele deu um celular para mim novinho na caixa".
Segundo o MP, Alex demonstrava ainda ter livre acesso às instalações da Rotam, pois frequentemente compartilhava com terceiros vídeos e fotos da fachada da unidade policial.
Alex também atuou como caseiro na chácara por Heron que, após o assassinato de Renato Nery, serviu de esconderijo para o executor.
Outros envolvidos
Um casal de empresários de Primavera do Leste foi apontado pela Polícia Civil de Mato Grosso como os mandantes do assassinato. São Eles: César Jorge Sechi e Julinere Goulart Bentos.
Eles também estão presos.
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A Polícia indiciou ainda outros dois PMs: o policial da inteligência da Rotam, Ícaro Nathan Santos Ferreira, e o cabo Jackson Pereira Barbosa.
Os dois teriam agido como intermediários do assassinato e estão presos.
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Outros quatro PMs da Rotam foram denunciados pelo MP. Eles teriam armado um confronto para dar fim na arma usada para matar Renato Nery. São eles: Jorge Rodrigo Martins, Wailson Alessando Medeiros Ramos, Wekcerlley Benevides de Oliveira e Leandro Cardoso.
Os quatro chegaram a ser presos, mas foram soltos e submetidos a uso de tornozeleira eletrônica e outras medidas cautelares.
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A motivação do crime
O motivo do homicídio do advogado teria sido uma disputa judicial de uma terra de mais de 12 mil hectares, localizada no município de Novo São Joaquim. Nery representava uma das partes no processo e acabou tornando-se coproprietário da terra, após décadas de briga na Justiça. Em março de 2024, o advogado conseguiu uma liminar no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que suspendeu o pagamento de arrendamentos da área que somavam mais de R$ 2 milhões.
Em junho, uma decisão confirmou o bloqueio dos arrendamentos. Dez dias antes de morrer, Renato Nery apresentou uma representação ético-disciplinar na Ordem dos Advogados do Brasil seccional Mato Grosso (OAB-MT) contra advogados do caso, acusando-os de integrarem um “escritório do crime”, com suposta participação de um membro do Poder Judiciário.
No dia 1 de julho, tornou a representação pública e quatro dias depois foi assassinado.