ROSANA LEITE
Vítimas do machismo, as mulheres são, ainda, em tempos atuais, reconhecidas como propriedades de homens. Em regra, ao nascer, quem possui a propriedade é o pai. Ao se unir em matrimônio, ou união estável, passa a pertencer ao marido ou companheiro. E assim também o é em uniões homoafetivas, o gênero masculino sempre terá a posse ou propriedade.
Aqui em Mato Grosso especificamente, onde a linguagem tem uma tradição toda especial, carregada de ranço cultural, a mulher de determinada autoridade nem é conhecida pelo nome. Assim são conhecidas: é a mulher do governador, do juiz, do defensor, do deputado, do delegado, do promotor etc. E mais adiante, é perceptível que não apenas as mulheres de autoridades perdem a identidade, sendo muito comum: Joana de José. Tudo isso seria, até cômico, se não tivéssemos arraigado o patriarcalismo evidente.
Existem situações que evidenciam o quanto a submissão é frequente e visível. A mulher, com muita tranquilidade, roga permissão ao parceiro para estar em algum lugar, ou tomar determinada decisão. Se ela quiser continuar mantendo um relacionamento amistoso, caso contrário. A mulher pede, outrossim, e, às vezes, ganha a carta de alforria, para ser alguém, para se profissionalizar, e ser reconhecida profissionalmente.
Muitas, sofrem demasiadamente para terminar a faculdade, pois, aquele que lhe jurou amor eterno não concorda que saia de casa e estude, deixando os filhos menores aos cuidados de terceiras pessoas. É até admissível sair para estudar ou trabalhar fora de casa, porém, desde que o lar esteja administrado de forma impecável. Se algo estiver fora de controle, se a casa não permanecer do jeito como o parceiro gosta, se um filho ou filha adoecer, se a comida não ficar do gosto, os sonhos a serem abandonados sempre serão delas. É fato comum.
E quando se cuida da vestimenta? Fica cunhado o androcentrismo. Até pode usar determinada roupa, mas, como a anuência do proprietário. Vestidos, saias, shorts, para algumas mulheres, é restrito à presença do dono. Afinal de contas, segundo eles, não se sabe com quem a companheira estará durante o dia, ou se irá se comportar para vestir esses modelos de roupas.
Muitos relacionamentos entre gênero masculino e feminino se perfazem em verdadeiro contato entre pai e filha. Sim, é deveras comum pedir autorização para exibir comportamentos e situações. Mulheres conseguem se estabelecer no mundo do trabalho, todavia, dentro de casa a situação é diversa. A decisão nunca é delas. E se tomarem decisão sem que tenham consultado o ‘macho‘, correm o risco de passar vergonha. Porque não perguntou antes de decidir? Quem você pensa que é, para tomar decisões sozinha?
O mundo sempre foi masculino. Na linguagem, na educação, e, principalmente, no tratamento com as mulheres, que em tempos anteriores ofereciam, obrigatoriamente, dotes ao homem para convolar núpcias. Sem dúvidas, fomos misturadas e confundidas com coisas. As mulheres já valeram menos que cavalos.
No Código de Hamurabi (1.500 a.C.), a mulher podia ser vendida e alienada como mercadoria. O Código de Manu (1.330 a 800 a.C.), possuía dispositivo afirmando ser o homem soberano à mulher, devendo guiar o seu destino, e ela o idolatrar e venerar perante a sociedade.
Fátima Bernardes, jornalista e apresentadora, recém separada se pronunciou: ‘Casamento e prisão são quase a mesma coisa‘. A frase da referida jornalista nos remete a união onde apenas uma das partes possui o direito de manifestação. Os jovens, na atualidade, costumam afirmar que um dos componentes possui a ‘bandeira‘, e, assim, comanda o relacionamento. Que as convivências tenham a ‘bandeira branca‘, onde o que manda é o mais absoluto respeito.
Rosana Leite Antunes de Barros é Defensora Pública Estadual e Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Mato Grosso.