RODRIGO VARGAS
Atravessaríamos quatro estados do Nordeste, incluindo algumas das regiões mais afetadas por uma seca que, mais tarde, seria descrita como a pior em 70 anos.
Preparei-me para testemunhar as mesmas cenas de flagelo que, quando criança, acompanhava pelo Globo Repórter.
Não foi o que encontrei. Mesmo nas cidades mais atingidas, não se ouviam relatos de grandes migrações forçadas pela estiagem.
Em Ouricuri e Araripina, no interior de Pernambuco, visitei pequenas propriedades rurais a produzir verduras e legumes irrigados.
Em vez de apenas sobreviver à seca, ou seguir em direção ao superlotado Sudeste, vi uma porção de gente aprendendo a conviver com o semiárido (como os cuiabanos convivem com o calor ou os paraenses, com a umidade amazônica). Não me pareceu um cenário de estagnação e conformismo, mas de crescimento e oportunidades.
Lembrei-me vivamente daquela experiência ao me deparar com comentários preconceituosos sobre a região que deu as vitórias mais expressivas à reeleição de Dilma Rousseff.
Os mais diplomáticos mencionavam uma suposta reedição do voto de cabresto.
Sem saber, os tucanos e seus aliados davam sobrevida a uma das principais marcas que, em minha opinião, os levaram a perder o Planalto em 2002 e a fracassar nas três tentativas seguintes de retomá-lo: a dificuldade de assumir, de forma enfática e sincera, o combate à absurda desigualdade brasileira como prioridade.
Nossa desigualdade não encontra paralelo em nenhum país civilizado. Limita nossa economia, desperdiça talentos e sobrecarrega os grandes centros urbanos. Reverter este cenário é tarefa básica, independentemente da bandeira ideológica.
Neste sentido, havia muitas brechas a serem exploradas pela oposição. Um exemplo é a absurda transposição do São Francisco, que foi mencionada pelo tucano apenas em seu viés mais "escandaloso": o atraso nas obras.
Havia vários outros motivos para se criticar a obra, que vai torrar bilhões para favorecer prioritariamente um seleto e bem relacionado grupo de grandes produtores.
Aécio não apresentou sequer uma alternativa. E havia muitas, algumas já testadas com sucesso e que poderiam de fato universalizar o abastecimento de água às populações mais carentes da região.
O semiárido de hoje não é o mesmo da década de 1980. Os jumentos foram todos substituídos por motos novinhas.
Se continuar a desmerecer o recado das urnas da região, a oposição irá apenas consolidar o apoio conquistado ali pelo PT.
RODRIGO VARGAS é repórter do jornal Diário de Cuiabá.
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