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Cuiabá, 26 de Abril de 2024
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26 de Novembro de 2018, 11h:01 - A | A

OPINIÃO / ALINE PINHEIRO

A perícia prévia na recuperação judicial



Considerando o emprego do termo perícia, observa-se que muitos confundem o instituto da perícia prévia com a perícia propriamente dita realizada no processo de recuperação judicial, que, apesar do mesmo termo técnico, possuem finalidades totalmente distintas.

No campo do direito que estuda o processo de recuperação judicial, a perícia prévia nada mais é do que uma constatação informal determinada pelo magistrado antes da decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial, com a finalidade apenas de se averiguar a regularidade da documentação técnica apresentada juntamente com a petição inicial, bem como as reais condições de funcionamento da empresa, de modo a conferir ao magistrado melhores condições para as necessárias decisões jurisdicionais.

No ano de 2011, o magistrado da 1ª Vara de Falência e Recuperação Judicial da Comarca de São Paulo/SP, Dr. Daniel Carnio Costa, depois de deferido o pedido de Recuperação Judicial, observou situações nas quais era constatado no decorrer do processo que a empresa não possuía mais atividades, não circulava produtos ou serviços, não gerava empregos, não recolhia impostos, ou seja, existia somente no papel e não atendia ao verdadeiro sentido da função social do referido processo. Sem contar as situações mais graves em que se constatavam fraudes.

A partir de então, observou-se a necessidade de desenvolver um mecanismo de averiguação da documentação apresentada pela empresa devedora, para que fosse possível evitar tais situações, de modo a combater o uso fraudulento da justiça e garantir a aplicação adequada do instituto da Recuperação Judicial.

Importante se faz ressaltar que a decisão que defere o processamento da recuperação judicial é uma das mais importantes do processo (se não a mais importante), pois, é a partir de então que entrará em vigor a proteção do “stay period”, de modo que os credores não poderão exercer livremente os seus direitos creditórios contra a devedora (recuperanda).

Assim como qualquer outro instituto, há entendimentos a favor e contra a perícia prévia.

Dentre os argumentos contrários à perícia prévia, está aquele que não há previsão na lei, de forma que o magistrado não pode aplicar.

Um dos juristas que defende tal argumento é o ilustre doutrinador Manoel Justino Bezerra Filho, o qual entende que tal ferramenta não pode ser aplicada, inicialmente, por falta de previsão legal.

Entretanto, conforme art. 189 da Lei 11.101/2005, será aplicado o Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos na Lei de Falência e Recuperação Judicial. Nessa lógica, o art. 156 do CPC diz que o juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. Ainda, o ar. 481 do CPC diz que o juiz pode, de ofício, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas para esclarecer fato que interesse a decisão da causa, podendo ser assistido por perito.

"A perícia prévia pode revelar quatro situações distintas: a inexistência de qualquer atividade empresarial; irregularidade ou incompletude documental; fraudes; ou incompetência funcional do juízo"

Assim, realmente não há previsão expressa na Lei 11.101/2005 que autorize a aplicação da perícia prévia. Contudo, pode ser aplicada com a interpretação do art. 52 da Lei 11.101/2005, de forma que o magistrado pode analisar o conteúdo dos documentos apresentados na petição inicial da forma como achar melhor.

No que tange a nomeação do perito para analisar os documentos que instruem a petição inicial e fazer a constatação das reais condições de funcionamento no estabelecimento da empresa devedora, geralmente será o mesmo nomeado como o Administrador Judicial, caso seja deferido o processamento da recuperação judicial em questão, pois este terá melhores condições de atuar em razão do primeiro contato já realizado com a empresa. Sem contar que o valor da perícia será incluído nos honorários do AJ.

Tal medida é outro ponto de discussão, pois alguns entendem que há um ponto de conflito, uma vez que o perito teria uma tendência a afirmar que tudo está em ordem a fim de ser processado o pedido de recuperação judicial, de modo a que ele seja nomeado como Administrador Judicial.

Contudo, isso é muito difícil ocorrer na prática, visto que o Administrador Judicial será sempre uma pessoa de confiança do juízo, e, caso ele altere intencionalmente o resultado da perícia prévia, haverá uma quebra de confiança, e provavelmente tal atitude fará com que esse administrador seja excluído desse mercado, até porque qual seria o interesse em nomeação de empresa que não atende os requisitos legais e fatalmente nem lograria êxito em pagar os honorários convencionado pelo magistrado?

Em relação ao prazo para a realização da perícia prévia, esta deve ser concluída em até 05 (cinco) dias, já que a finalidade é tão somente confrontar os documentos técnicos que instruem a inicial com a real situação de funcionamento da empresa, se existe, se realmente esta funcionando, dentre outros que poderá, inclusive o magistrado pontuar.

Com a conclusão, a perícia prévia pode revelar quatro situações distintas: a inexistência de qualquer atividade empresarial; irregularidade ou incompletude documental; fraudes; ou incompetência funcional do juízo.

Apesar das opiniões contrárias ao instituto, principalmente no que diz respeito ao acesso à justiça, vale registrar que o estudo apresentado pelo núcleo de pesquisa da PUC/SP apurou que o índice de indeferimento de petição inicial na 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (onde a perícia prévia é realizada desde 2011), é de aproximadamente 30%. Entretanto, na 2a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (onde não é utilizada a perícia prévia), o índice de indeferimento de petição inicial é de aproximadamente 40%.

Ainda, os índices de sucesso em recuperações judiciais na 1a Vara de Falência e Recuperação Judicial de São Paulo superam a média nacional, pois, levando-se em consideração os processos de recuperação judicial que venceram a fase de perícia prévia e tiveram o processamento deferido, desde 2011 até janeiro de 2018, observa-se um índice de sucesso de 81,7%.

Sendo assim, os números falam por si, demonstrando que a perícia prévia é uma ferramenta eficaz para garantir a função social que o processo tanto almeja, e com isso, ser o procedimento aplicado somente às empresas que possuem condições reais de se recuperar, evitando a utilização abusiva e fraudulenta do processo, em prejuízo do interesse público e do próprio instituto da recuperação empresarial.

*Aline Pinheiro Basilio Silva é advogada associada ao escritório Oliveira Castro Advogados, especialista em Direito Civil e Empresarial pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Universidade Cândido Mendes, participante do curso de extensão em Recuperação Judicial e Falência com capacitação de Administrador Judicial pelo IBAJUD – Instituto Brasileiro de Administração Judicial, e membro da Comissão de Estudos da Lei de Falência e Recuperação Judicial da OAB/MT.

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