KEKA WERNECK
DA REDAÇÃO
O Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Alteridade (NEGRA) recebeu anonimamente duas denúncias de supostas fraudes ao sistema de cotas da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat). Nos dois casos, de acordo com a denúncia, as estudantes, embora não tenham qualquer relação seja física ou cultural com a negritude, entraram na Unemat como cotistas e estão cursando Medicina, em Cáceres, e Direito, em Barra do Bugres.
A estudante de Medicina seria branca de cabelo loiro, mas, ao passar no vestibular como cotista, teria pintado o cabelo de preto, para forjar um biótipo “um pouco mais” afrodescendente. A outra estudante, também de pele clara, sem fazer qualquer tentativa de mudança visual, teria entrado no curso de Direito, em Barra do Bugres.
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Além desses dois casos, o NEGRA afirmou ao que há muitos outros suspeitos e que, em 10 anos, o sistema de cotas da Unemat pode estar “furado”, facilitando a entrada na instituição de candidatos que não deveriam ser favorecidos.
O primeiro caso de expulsão por fraudar as cotas da Unemat é de 2006, um ano após a instituição se abrir para cotistas. Uma estudante de jornalismo do campus de Alto Araguaia perdeu a vaga, após a intervenção do NEGRA.
O Núcleo levou as duas denúncias mais atuais à reitoria da Unemat, via ofício. O professor Paulo Alberto dos Santos Vieira, que integra este grupo de estudos, reclama que a instituição não tomou providências e por isso o caso foi levado também ao Ministério Público Estadual (MPE). Segundo Paulo, “estranhamente” o MPE avaliou que não havia necessidade de ir mais a fundo, já que de modo geral o beneficiado por cotas nas universidades brasileiras precisa apenas se compreender como negro, fazendo a chamada auto-declaração.
Porém, este não é o caso da Resolução 200/2004 da Unemat, que estabelece o sistema de cotas na instituição. A regra convencionada diz que uma comissão, com representação do Conselho de Promoção da Igualdade Racional, deve dar aval aos pedidos de inserção via cotas. “O Conselho tem que ratificar que aquele aluno tem perfil para ser beneficiado. Como esta comissão nunca foi formada, muitos tentam entrar pelas cotas, porque sabem que não serão questionados”, denuncia o professor Paulo, do NEGRA.
Confira a Resolução 200/2004 na íntegra aqui.
Ele diz que, para se ter ideia do problema, é preciso destacar que a Unemat oferece por ano, em dois semestres, cerca de 600 vagas. Dessas 25% são cotas para negros. Ou seja, em tese 150 alunos negros ou de influência negra são contemplados anualmente. Em 10 anos de vigência da resolução, pelo menos 1500 negros deveriam estar estudando na instituição ou já terem até se formado.
“A gente não vê essa negritude lá”, reclama o professor Paulo, reconhecendo, no entanto, que a cor da pele não é o mais importante na identificação de quem deve ou não ser beneficiado. “Mas a negritude sim, tem que ter um histórico que justifique a cota”, ressalta o pesquisador.
Segundo ele, denunciar fraude no sistema de cotas é importante porque o benefício não pode ser dado a qualquer pessoa e não é isso que o movimento negro pretende. “Candidatos negros têm ficado fora das vagas destinadas a este grupo social”, observa.
Compreendendo que o assunto é sério, o NEGRA decidiu recorrer no próprio Ministério Público Estadual, encaminhando a denúncia ao Conselho Superior do MP.
Na 8ª Vara de Cuiabá, a Promotoria entendeu que, se auto-declarando negro, o candidato pode entrar como cotista e arquivou o processo.
Através do Ofício 016, de 21 de dezembro de 2015, ao Conselho Superior, o NEGRA narra os fatos e diz estar tendo dificuldade em garantir a investigação das possíveis fraudes.
“Infelizmente, os responsáveis pelos Concursos Vestibulares da Unemat jamais aplicaram o que determina a mencionada Resolução. Após inúmeras solicitações apresentadas a Universidade do Estado de Mato Grosso, entre 2006 e 2011, a partir de 2012 procuramos apoio no Conselho Estadual de Promoção de Igualdade Racial e no próprio Ministério Público do Estado”, diz trecho do ofício.
A professora Vera Maquea, pró-reitora de Ensino de Graduação da Unemat, disse ao que já há um trabalho de acompanhamento ao sistema de cotas sendo feito. Ela admite que há problemas a serem resolvidos, mas que a instituição faz uma avaliação positiva quanto à adesão do benefício. "As cotas já incluíram muitos negros na universidade", observa.
A pró-reitora destaca que há uma comissão estudando mudanças na Resolução 200, para que a porta de entrada dos candidatos cotistas se dê a partir do cruzamento entre a questão étnica e a social e não da auto-declaração. Na visão dela, isso melhoraria o atendimento a quem realmente precisa e afastaria oportunistas. Sobre a suspeita de fraude na Unemat, ela supõe que isso não ocorre.
"As cotas foram feitas para as pessoas que realmente são discriminadas, mas a gente sabe que tem muita gente sem a menor ética e vai lá e pleiteia essa vaga e hoje, do jeito que as coisas estão, realmente não existe nada que impeça uma pessoa (má intencionada) de se auto-declarar", reconhece.
Ela acredita que, se estivessem ocorrendo fraudes, "essas questões já estariam sendo levadas para a Justiça e se ninguém denunciou na Justiça, então é porque estamos fazendo as coisas legalmente. Tenho certeza que ninguém ia deixar uma coisa ilegal acontecendo durante 10 anos".
Quanto à representação do NEGRA no Conselho Superior do MP, o pedido de reconsideração está sendo analisado pelo relator, o procurador Domingos Sávio. Ele ainda não deu um parecer.
NEGRA

No trecho, reclamações sobre a dificuldade de conseguir a devida apuração dos fatos.