MARIE CLAIRE
"Em 2003, aos 28 anos, eu acabara de sair de um relacionamento longo e frustrado. Havia conhecido meu ex na Universidade Católica de Brasília, onde cursávamos letras. Passamos seis anos juntos numa relação completamente apática. Desde a adolescência, nutria a expectativa de me casar e construir uma família – enquanto minhas amigas ficavam com vários caras, preferia relacionamentos sérios. O que não quer dizer sem graça, como era o meu. Não nos divertíamos nem evoluíamos como casal. Quando chegou ao fim, em março daquele ano, a sensação era de que havia perdido parte da minha juventude.
Trabalhava numa escola pública do Distrito Federal – a cerca de 30 quilômetros da capital, em Ceilândia –, referência no estado, havia cinco anos. Amava o que fazia. Mesmo assim, após o término do namoro, resolvi coordenar as aulas de português com o início de outra faculdade. Precisava ocupar a cabeça, estava desiludida e, no fundo, preocupada com o que meus pais poderiam pensar. Eu, a filha mais certinha entre os cinco irmãos, sempre respeitosa, presente e submissa, agora queria dar um tempo nas relações amorosas. Fiquei com medo de acharem que eu estava desandando. Então, uni o útil ao agradável e fui fazer direito, um presente para o meu pai, que é advogado.
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Foi um período muito cansativo, de jornada tripla. Além de cumprir a carga horária de estudante e professora de português, dava suporte aos diferentes nos assuntos administrativos da escola. Foi naquele momento que, entre os 900 alunos, Antonio (a quem todos chamavam de Júnior) começou a atrair meu olhar. Parecia de propósito: quando tocava o sinal no fim do intervalo para os alunos voltarem à classe, ele ficava plantado sozinho, de braços cruzados, no meio do pátio, até que eu lhe desse atenção. ‘Como este menino se acha’, pensava. Sempre cheio de garotos e admiradores ao redor, era diferente dos outros meninos. Estava no último ano do ensino médio e, aos 17, tinha 1,80 metro e corpo desenhado por treinos de duatlo (modalidade esportiva que une corrida e ciclismo). Os ombros largos, acompanhados de um rosto quadrado, a pele branquinha e os olhos e cabelos castanhos davam a ele um ar de Clark Kent. Ele não arrancava suspiros só das alunas. A fama de ‘o mais gato da escola’ se disseminava para o lado de lá da sala dos professores, e não raro eu ouvia minhas colegas comentarem sobre a beleza do rapaz. Maduro, fazia amizade com os mais velhos e até frequentava com eles eventos fora da escola. Na sala de aula, era educado, atencioso e prestativo.
Em meados de junho, a escola estava toda mobilizada para a festa junina. Como todo ano, organizou-se uma gincana entre as turmas e Júnior encabeçou a comissão dos alunos. A mim cabia coordenar a disputa. Quase todo dia ele vinha me procurar para falar ou esclarecer alguma dúvida sobre o assunto. ‘Nossa, esse menino é bonito, hein? Olha a boca dele! Pena que é tão novinho...”, me disse a bibliotecária, vendo-o voltar à classe depois de uma dessas nossas conversas. (Os lábios carnudos de Júnior eram mais um de seus atributos que rendiam comentários de mulheres de todas as idades.)
No dia da festa junina, fui designada para ficar no caixa. Já dentro do guichê, levei um susto ao ver Júnior entrar e sentar-se junto de mim. ‘Ele vai te ajudar, Renata. É importante que um aluno participe do financeiro, para aprender a parte prática’, disse o vice-diretor. Sentado ao meu lado, Júnior aproveitou uma brecha para cochichar: ‘Já percebeu que acho você bonita, né?’. Dei um pulo da cadeira, indignada: ‘Que comentário é esse?! Você sabe a minha idade?’. Ao que ele respondeu com a maior naturalidade do mundo: ‘Não sei e não me importa. Ainda vamos namorar’. Fiquei chocada, tentei disfarçar, mas não consegui esconder a alegria. Claro que havia gostado. E também sei que não deveria. Não era certo me envolver com um aluno, onde estava com a cabeça? A festa junina acabou, e o combinado era somarmos, eu e ele, os pontos da gincana em outro dia. Para acertar essa reunião, tivemos de trocar os números de celular. Quando cheguei em casa, recebi um SMS de Júnior, desejando boa noite. Não resisti em responder: ‘Pra você também!’.
Começamos ali uma troca diária de mensagens de texto. Ele chegava à escola e me escrevia, perguntando onde eu estava. Declarava-se, me elogiava, não ia dormir sem se despedir e desejar bons sonhos. Minha cabeça fervia: ‘Renata, ele tem 17 anos! Não é certo, você vai ser demitida. Caia fora enquanto é tempo’. Só que já estava muito envolvida. Chegava ao trabalho com frio na barriga, na expectativa de encontrá-lo pelos corredores, na sala de aula, no meio do pátio. Certa noite, na festa de aniversário de um professor em que fui acompanhada do meu irmão, encontrei Júnior. Ele foi discreto, mas não conseguiu esconder a alegria ao me ver. Conversamos muito, não nos desgrudamos. Na hora de ir embora, meu irmão disse: ‘Esse menino está a fim de você’.
Um dia, aproximadamente um mês depois, caminhava pela escola com uma amiga professora. Combinávamos de ir a um show no fim de semana. Perto de nós, Júnior parecia atento à conversa. Naquela tarde, me escreveu um SMS dizendo que ouvira nosso papo e que, coincidentemente, estava programando de ir ao show com um amigo. ‘Podemos pegar carona com vocês?’, perguntou ele. Hesitei, mas pensei que não havia ‘riscos’, já que estaríamos com outras pessoas. Seria um evento como o aniversário do professor, me convenci.
Na noite do show, ele apareceu sem o amigo. Dançamos muito, e toda vez meu coração batia forte. Para disfarçar, ele tirou para dançar também a professora que estava comigo. Tive de virar o rosto várias vezes para desviar de suas tentativas de me beijar. Na hora de ir embora, sentou-se no banco do passageiro do carro que eu dirigia. E foi o caminho de volta todo com a mão sobre a minha.
Nos víamos cada vez mais. Ele descobriu a banquinha de cachorro-quente perto da escola onde me refugiava nos intervalos. Passou a me acompanhar quase diariamente. E foi ficando cada vez mais incisivo, dizia que estava apaixonado, que eu era a mulher da vida dele, que queria construir uma história comigo. Eu dava risada e o chamava de louco. Mas, por dentro, estava morrendo de medo do meu sentimento. Não me afligia somente o fato de ele ser meu aluno e tão mais novo. Mas também a possibilidade de me permitir viver aquela relação e depois quebrar a cara, quando ele se apaixonasse por alguém mais jovem. Eu era a prova viva de que namoros podiam ser muito decepcionantes. Mas ele não se deixava abater por minhas recusas. Pelo contrário. Aproximava-se cada vez mais. Em uma excursão organizada pela escola, vi Júnior de sunga pela primeira vez. Minha reação foi igual à de todas as garotas, entre alunas e professoras, que presenciaram a cena: quase enfartei. Ele tinha corpo de homem, mas mantinha todo o brilho de adolescente. Naquele dia, só tinha olhos para mim. E eu estava completamente louca por ele.
Até que, numa tarde de agosto, durante nosso lanche na barraquinha de cachorro-quente, ele me pôs contra a parede. ‘Não dá mais. Quero ficar com você’, disse. Tentou me beijar e eu não deixei. Parecia uma menina boba. ‘Então, tá, Renata.’ Me assustei, acostumada a ouvi-lo me chamar de gatinha, de Renatinha... ‘Você não quer mesmo ser minha namorada?”, me intimou. Fiquei com medo de ele ir embora. Então o beijei. E assim foi por quase uma hora. Sabia que o que estava fazendo era errado. Mas meu corpo quente, inteiro arrepiado, me dizia o contrário. Eu estava certa. Certíssima.
Não ficávamos juntos dentro dos limites da escola, mas muitos já desconfiavam do nosso romance. Por causa da proximidade com alguns professores, Júnior já havia declarado sua paixão por mim para alguns. Quando soube disso, fiquei apavorada. Vivia dando bronca nele. Quando ele se formou, respirei fundo e fui conversar com o diretor. ‘Já sei de tudo, Renata’, foi como ele me recebeu. Fiquei assustadíssima. Ele me acalmou: ‘Me falaram dessa paixão. Sei que é uma mulher direita e não entraria num contexto tão delicado se não fosse para encará-lo com seriedade. Além disso, ele está formado. Fique tranquila’. Respirei aliviada e sorrimos um para o outro.
Júnior me encantava cada vez mais com seu jeito amoroso e confiante. Era exatamente o tipo de pessoa com quem eu queria estar para sempre. Dali a um mês, transamos pela primeira vez, num quarto de hotel. Foram quatro horas dentro daquele espaço, e a sensação parecia a de uma explosão. Tínhamos muita química, o sexo era intenso, envolvente, maravilhoso. Não queríamos desgrudar nunca. E eu só pensava que faltava pouco para a formatura – e para me permitir mergulhar de vez naquela relação tão perfeita.
Antes mesmo de se formar, ele arranjou um bico de vendedor no shopping e começou a trabalhar. Não se sentia bem pelo fato de eu bancar nossas saídas e decidiu juntar um dinheirinho. Na formatura, me surpreendi ao ser escolhida pela turma como professora homenageada. De propósito, quem me entregou o buquê de flores no palco foi Júnior. Naquela noite, durante o baile, ele me apresentou a sua família. Todos pareciam já saber de mim. Depois, me contou que já havia falado de nós para sua mãe. Disse que ela perguntou: ‘Ela é rapariga?’. Júnior garantiu que não e minha sogra permitiu o romance. Quando soube disso, me senti aceita, completa, plena. Tudo mudou para melhor após seus parentes aceitarem nossa relação
Apesar de algumas coincidências, nossas famílias eram muito diferentes. Cresci numa casa enorme e com pouca liberdade entre quatro irmãos. Júnior era o caçula de oito e levava uma vida humilde, mas repleta de amor e respeito. Nossos pais nasceram no mesmo dia, 12 de julho. Por isso escolhemos essa data para oficializar a união, durante um jantar, pouco menos de um ano depois do nosso primeiro beijo. ‘Quero dormir e acordar com você todo os dias da minha vida’, me disse Júnior, já matriculado em direito e ainda com o salário mínimo mensal que ganhava trabalhando no almoxarifado de uma fábrica.
Mas meus pais não. Não acharam nenhuma graça na história. Sinto que até hoje não engoliram direito o fato de eu, uma professora concursada e com uma bagagem considerável, ter casado com um ex-aluno, 11 anos mais novo e sem recursos. Não davam muita moral para Júnior nem se mostravam felizes por mim. Isso não mudou mesmo quando ele começou a ascender na carreira. Passamos a ter uma vida mais confortável e tivemos nossos filhos, Eduardo e Heitor. Com 1 e 11 anos, respectivamente, nasceram no mesmo dia, 7 de setembro, e na mesma hora, às 9h20 – mas com dez anos de diferença.
Foi a primeira vez na vida que eu me permiti viver o que queria, sem a aprovação de meus pais. Com Júnior, meus medos se dissiparam. Estamos juntos há 13 anos e nunca mais senti o receio de ser trocada por alguém mais jovem. Aos poucos e cada dia mais, nossa vida melhora e nossa vontade de ficar juntos aumenta. Continuamos a ser aquele casal apaixonado do colegial. O amor com Júnior foi a maior lição que aprendi nessa escola que é a vida.”