FABRICIO CARVALHO
Na era dos criadores digitais, influenciar é exercer poder. E a sociedade ainda não compreendeu plenamente o peso dessa relação.
As redes sociais deixaram de ser apenas espaços de entretenimento. Tornaram-se ambientes onde se disputam valores, narrativas e decisões de consumo, saúde e política. A figura do influenciador digital passou de celebridade ocasional a protagonista da vida pública. E, ainda assim, seguimos tratando esse fenômeno com leveza, como se o impacto fosse superficial.
No Brasil, cerca de 1 em cada 10 pessoas atua como criador de conteúdo, sendo a segunda maior média do planeta. Esse dado expressa a força da chamada Economia dos Criadores (Creator Economy), um novo ecossistema onde indivíduos - de artistas a especialistas - produzem e distribuem conteúdos, produtos ou serviços diretamente ao público, monetizando sua criatividade e influência por meio de parcerias, assinaturas, vendas ou publicidade.
A conexão direta entre criadores e audiência é o motor dessa economia. Quanto mais proximidade, mais confiança. E quanto mais confiança, maior o poder de influência, inclusive sobre decisões que antes estavam restritas a especialistas ou instituições. Isso torna a atividade altamente relevante do ponto de vista social. Mas também exige responsabilidade.
É essencial reconhecer que a grande maioria dos influenciadores atua com boas intenções. Divulgam seu trabalho, compartilham experiências, promovem debates e comunidades. Muitos são agentes positivos de transformação. No entanto, isso não elimina o peso ético do que comunicam. Quem forma opinião pública não pode agir como se operasse à margem das consequências.
Nesse sentido, é urgente considerar os riscos concretos envolvidos na atividade de influenciar. Em busca de engajamento e monetização, conteúdos que promovem produtos sem respaldo científico, dietas milagrosas, procedimentos estéticos de risco, investimentos de alto grau de especulação e apostas vêm ganhando espaço nas redes. Muitas vezes embalados por uma estética de sucesso fácil e uma falsa intimidade com o público, esses conteúdos impactam diretamente comportamentos e decisões, sobretudo entre jovens e grupos vulnerabilizados.
A visibilidade passou a ser sinônimo de valor social. E, diante de influenciadores que ostentam riqueza e celebridade como forma de autoridade, cresce o número de adolescentes que abandonam a educação formal, apostando todas as fichas em uma promessa de ascensão digital que nem sempre se concretiza. Quando o sucesso não vem, o que sobra é frustração, endividamento e culpa. O sonho da influência, muitas vezes, vira um caminho solitário e instável, alimentado por algoritmos que premiam o engajamento a qualquer custo.
Além disso, a informalidade ainda predomina. Milhões de criadores trabalham sem contrato, sem proteção, sem reconhecimento institucional. A precarização avança enquanto as grandes plataformas lucram com esse modelo. E mesmo diante de tentativas legislativas para estabelecer critérios mínimos de formação e regras de transparência, o debate público ainda é tímido, e a regulação, incipiente.
O que falta é uma percepção coletiva mais clara de que influenciar é atuar num território de disputa cultural e política. É disputar atenção, moldar afetos, direcionar escolhas, muitas vezes, com mais eficácia do que campanhas institucionais ou políticas públicas. Se é esse o poder em jogo, é preciso, sim, pensar em limites, em ética, em governança mais robusta e integrada sobre a atuação de influenciadores e plataformas. Não para censurar, mas para equilibrar.
A influência digital não é neutra nem espontânea. É mediada por algoritmos, interesses econômicos e afetividades profundas. Por isso, a pergunta fundamental não é apenas “quem você segue”, é, sobretudo: a que lógicas você está se submetendo ao seguir alguém?
Entender essa dinâmica é essencial. Porque seguir é ceder atenção. E atenção, hoje, é capital e poder. E toda forma de poder exige consciência.
Fabricio Carvalho é Maestro e Membro da Academia Mato-Grossense de Letras @maestrofabriciocarvalho