AFRANIO MOTTA FILHO
No domingo, dia 26 de outubro, o povo brasileiro volta às urnas para definir quem será o próximo presidente da república. Dilma Rousseff ou Aécio Neves, PT ou PSDB, reeleição ou renovação? Essas são perguntas até agora sem respostas, e que somente o resultado das urnas poderá responder. Uma questão de tamanha relevância para o país, saber quem será seu gestor maior nos próximos quatro anos, acaba perdendo importância diante do “espetáculo” de insignificâncias que se tornou esta campanha político eleitoral, com o cidadão-eleitor sendo tratado com um débil mental, incapaz de lamber um sorvete sem sujar a própria testa.
Ao final desta campanha será difícil avaliar que ganhou, mas com certeza muito fácil apontar quem perdeu. O primeiro grande derrotado neste pleito foi o jornalismo brasileiro, que desceu às profundezas dos seres facebookanos, e se equiparou aos mais medíocres blogueiros de fofoca, ignorando seu compromisso com a notícia e a verdade, desprezando sua capacidade investigativa e assassinando a fonte da matéria, seu maior trunfo na comprovação da veracidade dos fatos. A atuação da imprensa, com raras exceções, nesta campanha eleitoral, coloca sob suspeita o status adquirido de Quarto Poder. Legitimado pelo povo ao longo da história como sua representante no debate político, com capacidade de retratar criticamente a realidade nacional, a imprensa se colocou nesta campanha como um poder paralelo aos demais, representando uma ameaça a Constituição Brasileira. Investigar, apurar e divulgar livremente depois de formar convicção sobre os fatos foram etapas ignoradas pelos profissionais da imprensa. É o poder de transformar informações em notícias. E, nestas épocas de internet, muitos informam, mas poucos noticiam.
A maciça utilização das redes sociais na campanha político-eleitoral de 2014 consolidou a mudança, tanto no processo de recepção da mensagem, como no comportamento do antes leitor passivo e agora do internauta interativo. Por trás de cada computador, tablet, notebook ou smartphone, surgiu um especialista em generalidades, capaz de discutir qualquer assunto, inclusive política, com a propriedade de quem tem grande conhecimento e experiência na área. As redes sociais estão espalhando o fanatismo político e incentivando a intolerância, incitando o medo e o ódio, dividindo famílias e destruindo amizades. O respeito ao direito democrático da livre expressão está sendo cassado por pessoas do nosso convívio mais íntimo, amigos e parentes. Usuários das redes sociais estão tornando públicas sua ira e descontrole emocional. Textos ameaçadores, impregnados de rancor, na maioria das vezes compartilhados por pessoas que nem sabem exatamente o significado do que estão repassando, criam um ambiente de histeria coletiva e estabelecem um território paralelo de poder. O direito de opinião das pessoas está sendo desrespeitado publicamente por quem elas mais querem bem. Se alguém declara seu apoio a determinado candidato acreditando que a alternância de poder é saudável para a democracia, e outro defende a reeleição como forma de manutenção das políticas públicas em que acredita. Estamos diante de posições antagônicas, mas que merecem e precisam ser respeitadas.
A liberdade de manifestação dos princípios ideológicos alimenta e valoriza o cidadão e consolida a democracia. Normal então, deveria ser Zico, o ex craque do Flamengo e da Seleção Brasileira, ou Chico Buarque, cantor e compositor, ídolo de milhões de brasileiros, declarar em público seus apoios, cada um ao seu candidato à presidência da república, sem que fossem vítimas de campanhas difamatórias ou ameaças.
Na noite de 26 de outubro de 2014, quando o TSE considerar concluído o processo de contagem dos votos, terá início uma jornada ainda mais árdua e imprevisível do que a própria escolha do chefe de Estado que governará o Brasil pelos próximos 4 anos: a tarefa de juntar os cacos e curar as feridas de uma campanha marcada por acusações de todas as naturezas. Políticas; profissionais; familiares; pessoais; partidárias ou simplesmente de natureza leviana ou caluniosa, muitas comprovadas e outras tantas produzidas com objetivo meramente político, mas que isso eleitoreiro.
Vamos ter que aprender a conviver com palavras que não são novas, mas que foram inseridas em nosso vocabulário de forma ressignificada. Uma delas é “desconstrução”, utilizada como forma de acusar o adversário de trocar o debate de ideias por acusações pessoais.
Nesse sentido, a candidata Marina Silva já lançou um sinônimo para esse termo: demolição. Foi o que ela fez com sua carreira política. Candidata a vice na chapa de Eduardo Campos, morto em acidente aéreo, Marina se comportou no velório do companheiro como uma adolescente prestes a ganhar uma viagem para Disney. Elevada à condição de candidata, deixou sua personalidade controvertida e contraditória vir à tona, dando um nó na cabeça do eleitor, até então abatido e comovido com a morte de seu parceiro, e disposto a votar nela. Uma semana antes do primeiro turno da eleição, Marina Silva afirmou em um debate: “Vossa Excelência, Senador Aécio, representa o pior da velha política. Seu partido não fez bem ao Brasil e não será com vossa excelência que o fará”. Quatro dias após o primeiro turno da eleição, o discurso era esse: “É com este sentimento que, tendo em vista os compromissos assumidos por Aécio Neves, declaro meu voto e meu apoio neste segundo turno”.
Que a eleição passe e que o clima de discórdia e ressentimento que vivemos hoje possa ser superado. Estamos todos vivendo no limite extremo da intolerância, que causaram grandes estragos nos relacionamentos. No futuro próximo resta o desafio de se buscar um entendimento, e que tudo que passamos possa servir de aprendizado e aprimoramento democrático.
AFRANIO MOTTA FILHO é formado em Comunicação Social, habilitado em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário de Belo Horizonte, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e professor do Curso de Comunicação Social da UFMT. (Celular 8135-9892/ E-mail [email protected])